Negociação EUA ­China deve ser apenas uma trégua

Não há tuítes que mexam mais com os mercados que os de Donald Trump. Depois de o presidente dos EUA confirmar que, graças às negociações comerciais “produtivas” com a China, adiaria o aumento das tarifas sobre US$ 200 bilhões em importações de bens chineses para 25%, houve valorizações em praticamente todos os ativos pelo mundo, desde o petróleo e outras commodities até o dólar australiano. O avanço nas negociações é bem-vindo. Mas está longe de ser o fim dessa história.
Qualquer acordo que acabe com os sete meses de disputas comerciais entre os dois lados em razão das acusações americanas de que a China obriga as empresas a abrir mão de segredos comerciais e de que rouba tecnologia estrangeira seria um passo positivo. Mesmo um acordo ruim seria melhor do que nada, caso isso ajude a evitar uma guerra comercial desenfreada. Diante dos sinais de desaceleração do crescimento dos dois lados, é de interesse de Trump e de Xi Jinping, da China, que a tensão seja domada.
Mas há outros motivos pelos quais os mercados deveriam conter sua exuberância. Um deles é que, apesar de os memorandos de entendimento em discussão cobrirem várias áreas importantes – ainda que Trump tenha instruído publicamente seu representante comercial, Robert Lighthizer, de que quer um “contrato” – os detalhes de um acordo continuam desconhecidos. Serão os detalhes que vão determinar se um consenso será suficiente para desfazer as tensões de longo prazo que pairam sobre Washington e Pequim, assim como sua possibilidade de implementação e monitoramento.
Qualquer acordo provavelmente não será mais do que uma breve trégua dentro de um longa guerra. O que muitos vêm subestimando é até que ponto EUA e China entraram em uma nova era de concorrência estratégica que envolve todos os aspectos do relacionamento. Uma era que terá implicações nas cadeias produtivas da Ásia e provocará volatilidade nos mercados e na economia da região que vem sendo o motor da economia mundial nos últimos dez anos.
A obsessão de Trump com a balança comercial é uma distração de curto prazo. O verdadeiro atrito origina-se do objetivo declarado da China de domínio tecnológico e regional e da insistência dos EUA de continuar como superpotência tecnológica proeminente.
A China pode facilmente solucionar o problema da balança por meio de compras de soja – já se comprometeu a comprar 10 milhões de toneladas adicionais – de aviões da Boeing e de microchips. Já quanto aos objetivos mais amplos de Pequim, é politicamente impossível para Xi fazer concessões. Após ter prometido um “grande rejuvenescimento da nação chinesa”, qualquer propensão para adiar ou encolher suas ambições diante das ameaças dos EUA seria perigoso para o líder chinês.
As atitudes dos dois lados se exasperaram além do ponto em que as relações possam voltar ao status quo anterior. Em Pequim, um governo cada vez mais autoritário defende sua característica única de capitalismo estatal como alternativa ao Consenso de Washington. Os chineses querem remodelar as regras e instituições mundiais para que fiquem mais parecidas à sua imagem.
Em Washington, o isolacionismo automático de Trump é criticado por quase todos, a não ser no que se refere aos esforços
do presidente para nivelar o campo com a China. Nada une mais as elites políticas dos EUA, independentemente dos partidos, do que o medo diante da ameaça que a China representa para a ordem mundial erigida pelos EUA. Mesmo as empresas americanas, que se beneficiaram por décadas terceirizando produção na China, agora encorajam silenciosamente Trump, na esperança de que ele enfrente as dificuldades que elas têm ao fazer negócios no país asiático.
Nos próximos anos, tanto a atual superpotência quanto a desafiante em ascensão deverão ter foco na contenção dos conflitos e na manutenção, da melhor forma possível, de um comércio exterior livre e aberto pelo mundo e de mercados financeiros igualmente livres e abertos. Um acordo agora poderia ajudar a fortalecer a confiança. Mas os maiores problemas ainda estão por vir.

https://www.valor.com.br/internacional/6139745/negociacao-eua-china-deve-ser-apenas-uma-tregua#

Comentários estão desabilitados para essa publicação