Nas nuvens, Microsoft sai do velho figurino

No Estado indiano de Andhra Pradesh, as pessoas falam telugu, um idioma que remonta ao ano 400 d.C., e o cenário é salpicado por construções como o Templo dos Mil Pilares, do século XII. Tudo é muito antigo, mas para resolver o problema da evasão escolar o governo está usando tecnologia do século XXI.
No caso, um aplicativo que avalia conjuntos complexos de dados, como desempenho do aluno, gênero, condições sócio-econômicas, infraestrutura escolar e habilidades do professor. Com base nas informações, é possível prever quem está mais sujeito a deixar a escola e tomar providências antes que isso aconteça.
Tão surpreendente quanto o projeto é o nome da empresa que o desenvolveu – a Microsoft. Durante décadas, a companhia americana dedicou atenção quase obsessiva ao sucesso comercial de seus principais produtos, os softwares Windows e Office. Quase tudo na empresa, do desenvolvimento dos produtos à estratégia comercial, convergia para esses programas, como mostrou artigo de João Luiz Rosa, publicado no Valor de 23/03.
Nos últimos tempos, porém, a Microsoft tem dedicado cada vez mais energia a projetos que não se encaixam no antigo figurino de negócios. A empresa planeja integrar o Skype, seu serviço de comunicação on-line, aos carros da Volvo, e vai criar uma assistente pessoal digital para a BMW, com base em recursos de inteligência artificial. Também criou uma armadilha para analisar o Aedes aegypti, o mosquito transmissor da Zika, e participa de um projeto para equipar capacetes de mineradores com dispositivos capazes de prevenir acidentes, como a possibilidade de captar ruídos que indicariam um desmoronamento iminente.
O que une tantas ações diferentes é a nuvem, o modelo pelo qual softwares e serviços são acessados via internet e pagos como se fossem uma conta de água ou luz. “É um novo mundo no qual a moeda do sucesso é o consumo [da tecnologia], não a venda de licenças [de software]”, diz o francês Jean-Philippe Courtois, presidente mundial de vendas, marketing e operações da Microsoft. “[A ênfase] é em como as pessoas usam, desfrutam e implementam os serviços na nuvem.”
Courtois, de 56 anos, ingressou na Microsoft há mais de três décadas e até recentemente respondia pelos negócios internacionais da empresa, o que deixava de fora os Estados Unidos e o Canadá. Na nova posição, tornou-se o responsável por todas as operações, o que faz dele um dos principais homens do indiano Satya Nadella, o diretor-presidente que vem acelerando as transformações na companhia desde que assumiu seu comando, em 2014.
Mudar do ganho-pão tradicional – a venda de licenças – para a nuvem não tem sido um exercício fácil para as empresa de software, mas no caso da Microsoft o esforço parece estar valendo a pena. No segundo trimestre fiscal, encerrado em janeiro, a receita global da divisão de nuvem inteligente da companhia somou US$ 6,9 bilhões, um aumento de 8% em relação ao mesmo trimestre do ano anterior. E o faturamento com o serviço Azure, carro-chefe da empresa na nuvem, aumentou 93% no período.
Ao todo, a nuvem já ultrapassa US$ 14 bilhões em faturamento para a empresa. O número é uma taxa anualizada, cujo cálculo se baseia no faturamento dos serviços do segmento no último mês do trimestre. A receitas são somadas e multiplicadas por 12. “Estamos na rota para atingir a meta de chegar a US$ 20 bilhões em 2018”, diz Courtois.
É difícil estabelecer um ranking global da nuvem, porque os critérios do que seja esse fenômeno variam de empresa para empresa, mas é consenso entre analistas internacionais que a Microsoft já detém a segunda maior nuvem do mundo – atrás da Amazon e à frente do Google. A AWS, unidade de nuvem da Amazon, encerrou o quarto trimestre fiscal, em dezembro, com vendas líquidas de US$ 3,5 bilhões, um aumento de 69% em relação ao mesmo período do ano anterior. O Google somou US$ 3,4 bilhões em receitas não relacionadas à publicidade, o que inclui a nuvem, no mesmo intervalo. O crescimento foi de 62%.
A transformação da Microsoft é exemplificada pela mudança de slogan. Quando foi criada, em 1975, a empresa perseguia a meta definida pelo cofundador Bill Gates: “Colocar um computador em cada mesa e em cada casa”. Mais recentemente, o enunciado mudou para “primeiro a mobilidade, primeiro a nuvem”. É um reconhecimento da mudança de rumo do mercado. A Microsoft dominou a era do computador pessoal, mas os PCs estão perdendo espaço rapidamente para os dispositivos móveis, interligados pela nuvem. No ano passado, enquanto as vendas globais de PCs caíram 6%, para 269,7 milhões de unidades, as de smartphones aumentaram 15%, para 1,5 bilhão de aparelhos, segundo dados da consultoria Gartner.
O projeto indiano é típico desse cenário de mobilidade, no qual as experiências podem ser replicadas quase sem fronteiras e alcançar muitas pessoas em pouco tempo. Em Andhra Pradesh, onde 10 mil escolas usam o aplicativo, a experiência será expandida neste ano, sob a meta de atingir 5 milhões de estudantes. O mesmo app é usado pelas escolas públicas de Tacoma, no Estado de Washington, um ambiente completamente diferente, mas onde a aplicação também tem se mostrado efetiva. A taxa de alunos que concluem o curso aumentou de 55% em 2010 para 82,6% no ano passado.
“Nuvens carregadas” costumam ser sinônimo de dificuldades, mas a Microsoft está dando novo sentido à expressão – para a companhia, quanto mais pesada a nuvem, melhor.

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