Na Europa, montadoras pressionam pelo carro autônomo

A atitude parece estranha. Mas, não é. Montadoras europeias estão pressionando as autoridades do continente a acelerar o processo de regulamentação dos chamados “veículos autônomos”, que em um futuro muito próximo começarão a fazer do motorista uma figura cada vez mais dispensável no trânsito. Volvo, Audi e BMW já anunciam para 2017 o lançamento de veículos que poderão percorrer, por longas distâncias e em alta velocidade, rodovias da Europa sem a necessidade de um condutor. No mesmo ano, a montadora sueca Volvo colocará em circulação 100 protótipos na cidade de Gotemburgo.

O problema, porém, é que ainda não há na maior parte do mundo uma regulamentação a respeito desses veículos. Reunidas em Leipzig para a cúpula do Fórum Internacional de Transportes (ITF), órgão intergovernamental que reúne 57 países, fontes ligadas ao setor afirmaram que isso pode atrasar a massificação da tecnologia, como mostrou material do Valor, assinada por Fabio Murakawa, de 1/06, pg B4.

“A pressão da indústria alemã é muito grande. Esse é um trabalho que tem que ser feito pelas autoridades, não por nós. O tema está sendo analisado muito atentamente pela Comissão Europeia”, disse ao Valor o português José Viegas, secretário-geral o ITF. “Em países tão próximos, não faz sentido ter uma regulação que diz em que condições um veículo pode circular na Holanda que não seja aplicada na Bélgica. Cada um deles faz fronteira com a Alemanha e com a França. Então, tem que haver um mínimo de coincidência nessa regulamentação.”

O primeiro passo seria alterar a Convenção de Viena sobre Tráfego Rodoviário, de 1968, que estipula que todos os veículos têm que estar sob o controle do motorista. Pressionados pelas grandes montadoras de seus países, os governos de Itália, França e Alemanha já deram em abril os primeiros passos dentro das Nações Unidas para alterar o tratado. Mas a mudança só será possível com a concordância dos 72 signatários, entre eles Brasil, México, Chile e Rússia.

Nos EUA, que assim como China e Japão não assinaram o tratado, já há experimentos sendo feitos com veículos dotados dessa tecnologia nas rodovias de pelos menos dois Estados, Montana e Nevada. Outra mudança tem que ser feita na regulação da Comissão Econômica para a Europa da ONU, que estipula a velocidade máxima para veículos sem motoristas em 10 km/h. As montadoras querem aumentar esse número para pelo menos 130 km/h.

“Há grupos de trabalho internacionais discutindo possíveis mudanças nessas leis no momento”, disse ao Valor o encarregado de assuntos governamentais da Audi, Thomas Schwarz. “A tecnologia para a direção autônoma está à frente [das leis], e agora a regulação tem que ser adaptada.”

Alteradas essas convenções, afirmou, o objetivo é alterar as leis nacionais. “A meta é que as leis de vários outros países sejam adaptadas”, disse Schwarz. “Nós gostaríamos de vender nossos produtos internacionalmente e estamos tentando conversar com as autoridades em todos os países.”

Na Alemanha, onde as montadoras estão na vanguarda essa tecnologia, o processo tende a ser mais fácil. O ministro dos Transportes, Alexander Dobrindt, é um entusiasta dos carros autônomos. Em abril, levou um pequeno grupo de jornalistas para um passeio em uma das famosas “autobahn”, as rodovias sem limite de velocidade que cortam o país.

Em determinado momento, para espanto dos repórteres, cruzou os braços e olhou para trás para conversar com eles, enquanto seu Audi percorria a estrada a 130 km/h no piloto automático. Na quarta-feira, Dobrindt chegou à abertura cúpula o ITF na quarta-feira em uma BMW, também sem pôr as mãos no volante.

Uma coisa certa é que essa tecnologia será lançada inicialmente para uso em rodovias. Seu uso nas cidades é muito mais complexo, por conta de fatores como o grande número de pedestres e ciclistas e a sinalização mais confusa, com letreiros publicitários, que poderiam confundir o computador. “Essa é uma nova tecnologia que está pronta e nós temos que testá-la”, disse a ministra da Infraestrutura da Suécia, Anna Johanson, ao comentar sobre os testes a serem feitos em Gotemburgo.

Analistas estimam que 90% dos acidentes são causados por falhas humanas e dizem que, com as máquinas no comando, a tendência é que diminuam. Ponderam, porém, que o ser humano ainda é muito melhor do que um computador em situações ambíguas como, por exemplo, decidir entre atropelar uma pessoa que entra na frente do carro ou bater em um poste.

Mesmo assim, e apesar da ansiedade das montadoras, ainda restam questões éticas a serem abordadas no campo da legislação. Por exemplo: a quem responsabilizar por um acidente causado pelo computador? Essa é uma pergunta que nem empresas nem governos ainda sabem como responder.

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