Na China, acabou a mão de obra barata

A fase mais dinâmica da transformação da China em uma sociedade urbana está concluída. O outrora ilimitado reservatório de mão de obra rural empobrecida está rapidamente secando.

O fim do excedente de mão de obra rural, um marco significativo que os economistas chamam de ponto de inflexão de Lewis, tem implicações profundas para a economia da China. Com a redução do fluxo de migrantes de baixa remuneração para as fábricas chinesas, os trabalhadores estão exigindo salários maiores, um fenômeno evidente há vários anos. Isso está forçando fábricas de produtos baratos a fechar ou a aumentar os preços, medidas que poderão reduzir o crescimento das exportações, que ajudaram a conduzir a economia do país por décadas, como mostrou material do Financial Times, assinada por Gabriel Wildau, publicada no Valor de 11/05, pg A 16.

Muitas das características que definiram a economia da China na última década (o crescimento acelerado, o aumento da desigualdade social, os altos níveis de poupança e investimentos, os grandes superávits comerciais) podem ser em parte atribuídas às ondas de migrantes que fluíram de vilarejos e pequenas cidades para as fábricas e os canteiros de obras do país.

A Agência Nacional de Estatísticas (ANE) estimou o número de pessoas que trabalha fora de suas cidades natais por pelo menos seis meses em 278 milhões no ano passado. Se fosse um país, a população migrante chinesa seria o quarto maior do mundo.

Segundo Cai Fang, diretor do Instituto da População e Economia do Trabalho da Academia Chinesa de Ciências Sociais, que presta consultoria ao governo, o crescimento médio do PIB chinês deverá recuar de 9,8% entre 1995 e 2009, para 6,1% entre 2016 e 2020. Uma força de trabalho em encolhimento é o principal fator.

As cidades do interior são a chave para o entendimento das mudanças demográficas que estão ocorrendo na China. Oficialmente, 48% dos 1,4 bilhão de chineses vivem em zonas rurais, um número que sugere muito espaço para uma maior migração da mão de obra. No entanto, outros dados, que classificam o nível de emprego por setores, mostram que apenas cerca de 30% da população está envolvida com a agricultura. Cai diz que, quando várias distorções estatísticas são corrigidas, a verdadeira parcela da força de trabalho na agricultura chega a meros 20%.

“Se você visitar vilarejos, tenho certeza de que não vai encontrar nenhum trabalhador agrícola com menos de 30 anos. Eles não estão mais lá”, diz Cai.

Agora, a escassez de mão de obra iniciada em centros exportadores como a província de Guangdong chegou a Guang’an, onde a oferta de trabalhadores já foi abundante. Isso tem causado problemas para autoridades como Gan Zhiyong, prefeito da cidade de Heliu, no condado de Linshui. “As pessoas têm a impressão de que os salários são maiores fora daqui, mas isso está mudando. Agora, nossos custos com mão de obra estão muito altos”, diz Gan em um escritório simples, sem computador e com um quarto no fundo. Dados oficiais mostram que os salários dos migrantes aumentaram de 861 yuans (US$ 139) ao mês, em 2005, para 2.864 yuans hoje.

O menor fluxo de migrantes é um dos aspectos do encolhimento da força de trabalho da China. Mas a desaceleração da urbanização está coincidindo com o envelhecimento acelerado da população, uma outra mudança importante que fundamenta o ponto de inflexão de Lewis.

A politica chinesa do filho único criou um “dividendo demográfico” para a economia entre 1980 e 2014. Agora, esse dividendo está se transformando em um déficit. A população de chineses com idade entre 15 e 64 anos atingiu o pico em 2013, observa Cai. A relação entre as crianças e os idosos chineses em idade produtiva, ou relação de dependência, começou a aumentar em 2011. A política do filho único foi implementada em 1979, mas a taxa de nascimentos continuou aumentando na década de 80. Os nascimentos anuais na China chegaram a 25 milhões em 1987 e vêm caindo de forma constante desde então, chegando a cerca de 20 milhões em 1997 e 16 milhões no ano passado.

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