O quadro de medalhas das Olimpíadas revela bem mais do que a dura disputa entre os dois “impérios”, Estados Unidos e China. A terceira posição no ranking, o Reino Unido exibiu nas suas conquistas tudo que o Comitê Olímpico mais esperava destes jogos: muita visibilidade para o multiculturalismo.
Esse multiculturalismo ganhou um rosto, bem expressivo, na figura da atleta britânica, Jessica Ennis, campeã no heptatlo, com recorde histórico nos 100 metros com barreiras, a primeira das sete provas de atletismo que compõe essa modalidade, considerada um dos símbolos do espírito olímpico. Jessica é filha de imigrante jamaicano, pintor de paredes e mãe servidora pública. Na mídia, ela responde sempre do mesmo modo a pergunta sobre seu inédito ouro para a Grã Bretanha: “este é o meu país, sou 100% britânica. Meu pai nasceu na Jamaica, veio para cá aos 13 anos e é tão britânico quanto eu, porque somos essa mistura de gente de todas as partes do mundo”.
A vitória de Jessica ou de Mo Farah, refugiado dos conflitos na Somália aos 8 anos, naturalizado britânico, reabriu os debates na imprensa inglesa sobre o endurecimento das leis de imigração no Reino Unido. O Guardian a chamou Jessica de “heroína britânica” e o Independent foi mais enfático ao chamá-la de “rainha, não somente do heptatlo, mas do esporte britânico”.
Jessica nasceu em Sheffield, no centro da Inglaterra, e chegou ao atletismo na escola pública. Matéria do Estadão, edição de 12 de agosto, pg E14, mostra que a trajetória de Jessica, que passará a ser modelo para crianças das classes sociais menos privilegiadas da Grã Bretanha, integra a geração beneficiada por investimentos especiais em esporte na educação básica, a partir dos recursos arrecadados com loterias esportivas. Essa forma de incentivo ao esporte, bem no início da escolaridade formal, transformou a Inglaterra em uma potência olímpica. Merece atenção que o Reino Unido superou a Rússia no ranking, apesar de toda a tradição de conquistas olímpicas dos russos.
Aliás, até na festa de encerramento, os ingleses fizeram questão de exibir as muitas e novas faces da realidade britânica. A história do mundo para a Inglaterra, como a cerimônia final dos Jogos de Londres mostrou, incluiu todas as raças e etnias. Uma espécie de reconhecimento da composição multicultural que construiu todas as conquistas britânicas. Não só as olímpicas.