Momento de mudança? Renúncia do papa Bento XVI tem muitas interpretações.

A renúncia do papa Bento XVI – a primeira em mais de 600 anos – não perde o seu poder de provocar surpresas. As primeiras análises diziam que os motivos da decisão eram essencialmente pessoais, tanto pela idade avançada, como por sérios problemas de saúde. Essa foi só a reação imediata. Em pouco tempo percebeu-se que essa interpretação tinha muitos limites e não dava conta de todo o sentido do episódio.
Nas primeiras horas depois do anúncio, insistentes comunicados davam conta de alguns problemas na saúde do papa Bento XVI. O porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, reuniu a imprensa para divulgar que o Papa passara, faz três meses , por cirurgia para troca de marca-passo cardíaco, garantindo que a saúde dele estava “bem”. Duas horas depois, o diretor do Observatore Romano, o jornal oficial da Igreja, Giovani Maria Vian, seguia na mesma linha do estado debilitado de saúde, anunciando que o Papa tomara sua decisão de renunciar durante a visita que fez ao México e Cuba em abril de 2012, vinculando a decisão às difíceis tarefas administrativas e a necessidade de muitas.
Essa explicação não durou muito tempo. Na terça-feira, fontes do próprio Vaticano – e muito próximas ao Papa – informavam alguns repórteres especializados de que “disputa de poder” no interior da Igreja estava na origem da decisão de renúncia do Papa, que foi feita de livre vontade, mas “consciente de que “não mandava sozinho na Santa Sé”, como publicou na primeira página o Estadão de 13 de fevereiro.
Ontem, o próprio Papa Bento XVI incumbiu-se de por um ponto final nestas especulações deixando bem claro, diante do corpo de cardeais, na missa de Quarta-Feira de Cinzas, de que sua renúncia devia-se à “divisão do clero” e à “falta de unidade” que estavam “desfigurando a Igreja”. Obviamente, sem especificar nomes, o pontífice falou que estariam “instrumentalizando Deus” para obter “prestígio pessoal”. Bento XVI foi muito aplaudido quando disse, em voz forte, que “Jesus denunciou a hipocrisia religiosa”. A mídia doi mundo todo destacou que o Papa estava bem, caminhou sem qualquer ajuda e falou em várias línguas por mais de seis horas.
Hoje a imprensa europeia destacou que em março de 2012, em meio às suas férias em Castelgandolfo, o ex-cardeal Joseph Ratzinger “mergulhou num poço obscuro que só os seus olhos estavam autorizados a ver: um documento, elaborado por três cardeais octogenários, sobre o sumiço de inúmeros documentos secretos que abalou o Vaticano, e cujo tremor só cessou após a prisão de Paolo Gabriele, mordomo de Bento XVI”. Tratava-se de uma investigação repleta de nomes e dados, sobre os protagonistas das guerras de poder que há dois anos vêm estremecendo o Vaticano.
O Estadão de hoje entrevistou “vaticanista” importante, Marco Politti; ele alertou que a renúncia de Bento XVI “irritou a ala conservadora da Igreja”, foi um gesto de “realpolitik pragmático” e representará significativa reforma pela “desmistificação do cargo de papa. O Globo, hoje, entrevistou diferentes teólogos, tanto conservadores como progressistas, e observou que todos consideram que Bento XVI, sabia perfeitamente que a sua decisão deixaria a imagem da Igreja algo “ dessacralizada”.
O jornalista Elio Gaspari, deu o seguinte título para na sua coluna da Folha, no dia seguinte da renúncia de Bento XVI: “ Vem aí um conclave inesquecível”, mencionando a forte luta política na reunião que escolhera o sucessor de Bento XVI.

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