Mercado de trabalho chinês enfrenta desafio de ter trabalhadores demais e vagas de menos

THE WASHINGTON POST – Só dá para ver o sol acima dos telhados, mas centenas de candidatos a emprego já estão inquietos na manhã de 26 °C que só vai ficar mais quente. Em seguida, há o aquecimento da economia resultante da desaceleração pós-pandemia da China.

Quando uma minivan estaciona no meio-fio de uma rua comercial em Majuqiao, nos arredores de Pequim, dezenas de pessoas correm em direção a ela. “Qual é o trabalho?”, elas gritam para um homem dentro do veículo, tentando ser vistas na esperança de ganhar algum dinheiro e escapar do sol de verão.

O processo de seleção parece mais uma briga do que uma entrevista de emprego. O grupo de pessoas e o motorista gritam uns com os outros durante um breve período antes de alguns homens mais jovens entrarem no veículo. O motorista forte impede que os rejeitados entrem também, bate a porta e acelera.

A cena frenética — repetida inúmeras vezes todas as manhãs aqui numa esquina onde pessoas esperam ser escolhidas para trabalhar naquele dia — é uma prova das perspectivas de emprego desanimadoras na segunda maior economia do mundo.

A economia da China está tendo mais dificuldade do que o esperado para deixar para trás os três anos de lockdowns da política conhecida como “covid-zero”, com os dados mais recentes mostrando que o crescimento continua lento.

mercado imobiliário e as construções, responsáveis por cerca de um quarto do crescimento econômico, estão em queda. O consumo continua morno, pois as famílias estão cautelosas com compras maiores. Governos locais endividados estão flertando com calotes.

Desempregados são atendidos em feira de empregos em Huaian, na China; taxa de desemprego entre aqueles com 16 e 24 anos atingiu um recorde de 21% em junho Foto: STR/AFP

Em conjunto, esses desafios econômicos provocaram um grande aumento do desemprego, sobretudo entre os jovens. A taxa de desemprego entre aqueles com 16 e 24 anos atingiu um recorde de 21% no mês passado, embora um economista acredite que o número real talvez seja próximo de 50%.

As preocupações generalizadas sobre conseguir um emprego e ter uma renda — seja para um trabalhador braçal em busca de emprego de curto prazo no setor de construção em uma cidade longe de casa ou um recém-formado procurando trabalho em uma empresa de internet — são inquietantes para o Partido Comunista Chinês e seu poderoso líder, Xi Jinping.

A liderança do partido justifica há muito tempo seu governo autocrático com a promessa de um futuro econômico melhor. Xi foi ainda mais longe com promessas ambiciosas de combater a desigualdade e proporcionar a “prosperidade comum” a toda a sociedade chinesa. Mas os antigos motores da China para um crescimento econômico rápido — um boom da construção e a urbanização em massa — estão perdendo força, o que significa menos empregos em todos os setores.

“Quando as pessoas do mundo dos negócios não têm certeza das perspectivas econômicas, as empresas ficam relutantes em expandir o emprego”, disse Zhang Jun, chefe do departamento de economia da Universidade Fudan, em Xangai. E isso, por sua vez, significa menos gastos. “Por causa do impacto epidêmico, a renda de muitas pessoas não aumentou ou talvez tenha até mesmo diminuído, e muitas famílias ficaram mais cautelosas”, disse ele.

As estatísticas econômicas frágeis são evidentes nas ruas de Majuqiao, um dos poucos locais remanescentes na capital chinesa onde os trabalhadores de outras cidades podem ter a esperança de encontrar um emprego a cada dia.

O sonho delas de ganhar bem na cidade grande está desaparecendo. Os salários em queda e a diminuição das vagas de emprego são queixas quase universais. Muitas estão pensando em deixar a cidade.

Zhong Hui, 47 anos, era um daqueles que ficaram para trás após a confusão pela manhã para conseguir trabalho, sua cabeça raspada está ficando cada vez mais vermelha de tanto esperar no sol por uma oportunidade.

Nascido na Mongólia Interior, ele vem a Pequim há anos, mas a dificuldade para conseguir um emprego tem aumentado. Ele disse aceitar com frequência salários menores do que ganhava há cinco anos.

Em breve, o aluguel de seu pequeno quarto sem janela chegará ao fim e ele está indeciso entre ficar ou tentar viver em outra cidade. Ele ainda prefere conseguir trabalhos pagos por dia do que encontrar um de longa duração, porque essa segunda opção geralmente implica na participação de intermediários que muitas vezes trapaceiam ou tiram uma grande parte do pagamento para si.

Na maior parte do tempo, no entanto, ele não tem muita opção. “Dizemos que é melhor [trabalhar por dia], mas a verdade é que não temos escolha”, afirmou.

Zhong é parte das primeiras gerações de trabalhadores domésticos migrantes, pessoas que deixaram suas casas em outras regiões na década de 1990 e nos anos 2000 para construir os arranha-céus que hoje enfeitam cidades como Pequim, Xangai e Hangzhou.

Embora os salários tenham aumentado para os trabalhadores braçais, eles não acompanharam a inflação, e esses profissionais encaram um futuro sombrio, de acordo com pesquisas que viralizaram há pouco tempo e foram rapidamente censuradas.

Muitos trabalhadores migrantes esperam continuar trabalhando enquanto for possível, porque não têm economias, aposentadorias ou apoio social para parar, descobriu por meio de pesquisas exaustivas Qiu Fengxian, socióloga da Universidade Anhui Normal.

Havia 86 milhões de trabalhadores migrantes com mais de 50 anos na China no ano passado, e uma nova política proíbe aqueles com mais de 55 anos de trabalhar em canteiros de obras.

Segundo Fengxian, repetindo os questionamentos de sua pesquisa, os trabalhadores muitas vezes se perguntam: “Para onde vou quando ficar velho? Quando ficar doente, vou depender de quem? O que acontecerá no futuro quando não puder mais trabalhar?”.

Mas não são apenas a população de idade avançada e os trabalhadores braçais que estão passando por dificuldades.

Do outro lado do mercado de trabalho estão os recém-formados da China. Um recorde de 11,6 milhões de pessoas se formaram no fim do primeiro semestre deste ano e começaram a procurar emprego. A tarefa não tem sido fácil para elas, com candidatos demais e bem menos vagas que o habitual.

Alguns são sortudos o suficiente e conseguem vagas concorridíssimas nas melhores indústrias ou empregos relativamente seguros no serviço público; outros aceitam o que quer que apareça.

Mas uma parte deles está optando por ficar de fora da concorrência desenfreada. Por que trabalhar num emprego “996″ — das 9h da manhã às 9h da noite, 6 dias por semana — por pouco dinheiro, quando você pode ir viver com seus pais e ganhar a vida produzindo vídeos curtos?

“Eles vão para casa e deixam o mercado de trabalho”, disse Zhang, economista da Universidade Fudan, ao falar da tendência dessas pessoas de escolherem não participar dessa busca de emprego. “Acho que precisamos nos preocupar se esse fenômeno se tornará irreversível no futuro.”

Na internet, existe todo um léxico de desilusão. Aqueles com 20 e poucos anos falam de como trabalhar demais é apenas um “retrocesso” que não leva a lugar algum, como correr em uma roda de hamster. Então, eles dizem, que você também pode “ficar deitado” e fazer o mínimo para sobreviver.

Essas pessoas nem mesmo serão incluídas na contagem oficial porque os números do desemprego de jovens incluem apenas as pessoas que estão na busca ativa por empregos. Zhang Dandan, economista da Universidade Peking, estima que o número real de jovens desempregados pode chegar a 46,5%.

Alguns deles começaram a se descrever, brincando, como sendo “crianças em tempo integral” de novo, de volta a casa dos pais. Assim como aqueles em busca de trabalhos que pagam por dia, como Zhong, eles estão se sentindo pessimistas sobre seu futuro.

Liu Qianyi, formada em design de interiores, é uma dessas pessoas com 20 e poucos anos que regrediu em parte para a infância. Ela está vivendo na casa dos pais na cidade de Changsha desde maio, quando pediu demissão do emprego na área de design gráfico porque o salário era baixo.

Ela tinha planejado procurar por um novo emprego, mas decidiu relaxar e estudar para ser professora do ensino fundamental.

Ao contrário da geração de seus avós, quando todos eram pobres e trabalhavam arduamente por uma vida melhor, “agora o abismo entre ricos e pobres é enorme”, disse ela. As promessas do governo de que todos podem ser “moderadamente ricos” são “superficiais”, porque há concorrência em excesso para o número limitado de vagas de emprego disponíveis.

“Mesmo que eu procurasse por um emprego agora, o chefe me pagaria um salário mínimo e pediria o máximo de trabalho”, disse Qianyi. É mais fácil simplesmente — ela usa uma das novas expressões que significa aceitar uma circunstância de deterioração em vez de tentar revertê-la — o “deixar apodrecer”./

https://www.estadao.com.br/economia/desafio-mercado-de-trabalho-china/

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