Japão reforça aposta em aliança com EUA ante China

Fumio Kishida carece de carisma e é impopular em casa. Mas quando o primeiro-ministro do Japão visitar Washington nesta semana, ele será recebido como um herói. 

A popularidade de Kishida como governo Biden vai muito além das costumeiras troca de tapinhas nas costas entre aliados próximos. Sob o comando dele, o Japão fez algumas das mudanças mais importantes em suas políticas externa e de segurança desde a Segunda Guerra Mundial. 

Washington e Tóquio colocarão em exibição sua proximidade cada vez maior quando Kishida falar para o Congresso dos EUA na quinta-feira (11). Os planos para que comandantes militares americanos e japoneses trabalhem juntos em Tóquio também serão detalhados 

A parte final da visita de Kishida a Washington será uma cúpula trilateral entre Japão, EUA e Filipinas, destacando a determinação conjunta de Washington e Tóquio em apoiar os filipinos, em meio à crescente pressão que o país sofre de Pequim no Mar do Sul da China. 

Todas essas iniciativas se alicerçam sobre grandes mudanças que já foram feitas na política de segurança nacional do Japão. Sob a liderança de Kishida, o Japão se comprometeu a gastar mais em defesa e atingir uma meta de gastos de 2% do Produto Interno Bruto (PIB) até 2027. Rompendo com o pacifismo pós-guerra do Japão, o governo de Kishida também se afastou da proibição tradicional do país de exportar armas. O Japão agora permitirá vendas ao exterior de um novo avião de combate sendo desenvolvido em conjunto com o Reino Unido e a Itália. O governo também melhorou as relações com a Coreia do Sul, reparando um racha prejudicial entre dois aliados americanos, vitais no Indo-Pacífico.

De certa forma, é surpreendente que tudo isso esteja ocorrendo com Kishida, um líder de perfil moderado, e não com o mais nacionalista e enérgico Shinzo Abe, primeiro-ministro do Japão de 2012 a 2020. No entanto, a invasão em larga escala da Rússia à Ucrânia em 2022 mudou os fundamentos do pensamento geopolítico no Japão, o que permitiu a Kishida adotar as mudanças defendidas por Abe. 

Existem importantes países asiáticos — como Índia e Indonésia — que acreditam que o ataque da Rússia à Ucrânia não tem implicações para a própria segurança nacional. O Japão tem uma visão bem diferente. Kishida tem repetido que “a Ucrânia de hoje pode ser o leste da Ásia de amanhã” — e cita os atos intimidatórios marítimos chineses e os programas nucleares e de mísseis da Coreia do Norte como evidências da crescente ameaça de guerra. 

Tanto a história quanto a geografia têm seu papel na cautela do Japão em relação à Rússia. A Rússia é uma vizinha próxima. Tóquio está mais perto de Vladivostok do que de Pequim. E a rivalidade entre os dois países remonta à guerra russo-japonesa de 1904-1905. 

No entanto, são as implicações da guerra na Ucrânia para o comportamento futuro da China e da Coreia do Norte que realmente colocaram o Japão em alerta. O governo de Kishida avalia que o conflito aproximou Pequim e Moscou. Em dezembro, Rússia e China realizaram voos conjuntos de bombardeiros sobre o Mar do Japão. A China também vem ajudando a manter a economia russa à tona, enquanto a relação militar da Rússia com a Coreia do Norte ficou mais próxima. Do ponto de vista de Tóquio, esses desenvolvimentos cada vez mais parecem ameaças interligadas. 

A crença de que o Japão está vivendo em tempos perigosos e em uma região perigosa, e que em resposta a isso precisa se aproximar dos EUA, vai além dos escalões de elite das autoridades em Tóquio. Em outros tempos, a movimentação linha-dura de Kishida teria desencadeado sérios protestos públicos —, mas não agora. Yasushi Watanabe, professor da Universidade de Keio, diz que quando começou a lecionar há 25 anos, seus alunos estavam divididos igualmente em relação à aliança de segurança EUA-Japão. Hoje, 90% são a favor, diz. 

Ainda assim, o Japão, como os aliados europeus dos EUA, está muito preocupado com o isolacionismo, protecionismo e imprevisibilidade que poderiam resultar de um possível segundo governo Trump. A equipe de Kishida sabe que não pode mais contar com um consenso bipartidário que sustente a política externa dos EUA — o que torna muito mais complicado elaborar uma mensagem que possa ser bem recebida em ambos os lados do espectro político em Washington. 

Dessa forma, o líder japonês usará seu discurso ao Congresso para fazer um apelo aos interesses, e aos valores, americanos. Kishida argumentará que o Japão agora é um parceiro mundial essencial dos EUA na proteção do mundo democrático. No entanto, o Japão oficial sabe que os EUA são imprevisíveis — e que estão ficando cada vez mais. Como resultado, Tóquio já vem preparando discretamente alternativas. A decisão do Japão de desenvolver seu novo avião de combate com o Reino Unido e a Itália é um exemplo do país se aproximando de outras potências democráticas e intermediárias. 

Para o governo Biden, assolado por crises no Oriente Médio e na Ucrânia, a relação EUA-Japão é, com toda a certeza, um raro raio de luz em um mundo cada vez mais problemático. 

Joe Biden e sua equipe veem a contenção do poder chinês como o “desafio-guia” para a política externa dos EUA. Historiadores podem julgar que esses esforços — nos quais o Japão desempenha um papel central — foram bem-sucedidos. Se os eleitores americanos vão perceber isso, ou se importar com isso, em novembro é uma questão bem diferente. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2024/04/08/japo-refora-aposta-em-aliana-com-eua-ante-china.ghtml

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