Quando Angela Merkel foi anfitriã do encontro de cúpula do G-20 em Hamburgo, em julho, ela era a líder ocidental mais experiente na sala de reuniões. A premiê da Alemanha assumiu o comando do país em 2005 – quando Emmanuel Macron tinha apenas um ano de formado na universidade e Donald Trump ainda era estrela de programas de TV e empresário do setor imobiliário.
O único líder de um país do G-20 que está no comando há mais tempo do que Merkel é Vladimir Putin, da Rússia, e o histórico de ambos evidencia um contraste. Sob a liderança de Putin, a Rússia perdeu amigos, foi sugada para guerras e tornou-se alvo de sanções econômicas. Na era Merkel, a Alemanha cresceu de forma constante tanto em influência política quanto em termos de prosperidade. Em uma série de assuntos cruciais – o euro, refugiados e a Rússia – a Alemanha se tornou o “país indispensável” da Europa. As decisões tomadas em Berlim foram fundamentais para determinar como os eventos se desdobraram.
Portanto, a atual crise política na Alemanha tem implicações mundiais. Se o fim da era Merkel estiver no horizonte, como parece agora, a Europa vai se deparar com uma situação nova e perigosa, como mostrou matéria do Financial Times, assinada por Gideon Rachman, publicada no Valor de 21/11.
Os otimistas da União Europeia, em Bruxelas e Paris, nutrirão esperanças de que um novo líder alemão possa injetar algum dinamismo no projeto europeu e deixar de lado a abordagem cautelosa e gradual que Merkel exibiu em relação ao euro.
Na verdade, é mais provável que ocorra o contrário. A tendência atual da política alemã indica haver bem menos chances de que um novo primeiro-ministro em Berlim assuma riscos mais ousados do que Merkel em relação à Europa. Os que vêm atrapalhando as negociações para a formação de uma coalizão atualmente são os democratas livres, profundamente contrários às ideias visionárias de uma maior integração fiscal na Europa.
Por esse motivo, o colapso das negociações para formar um governo de coalizão em Berlim é má notícia para Macron. Em recente discurso sobre a Europa na Sorbonne, o presidente francês apresentou uma série de ideias ambiciosas para UE, entre as quais a criação de um Ministério das Finanças Europeu, impostos comuns do bloco e de uma força militar conjunta para intervenções no exterior. Para que essas ideias tenham alguma chance de adoção, contudo, a França precisa de uma resposta positiva da Alemanha.
A incapacidade de formar um novo governo na Alemanha significa que agora essa resposta vai ser adiada indefinidamente e que, quando enfim chegar, provavelmente será negativa.
Alguns conservadores têm esperança de que uma Alemanha pós-Merkel possa ser melhor para a unidade europeia no que se refere à questão delicada de lidar com os refugiados. Merkel foi duramente criticada na Hungria e Polônia por decidir, unilateralmente, aceitar mais de 1 milhão de refugiados da Síria e de outros países para, depois, buscar um acordo para compartilhar a responsabilidade com o resto da UE.
As atuais conversas para formar uma coalizão já mostraram que a Alemanha caminha para uma visão muito mais restritiva sobre direitos dos refugiados – incluindo determinar um limite para o número de solicitantes de asilo que o país aceitará por ano. Mesmo se o próximo governo alemão se aproximar da visão predominante na UE sobre a migração, é improvável que isso leve a uma unidade na UE.
Ainda há muitos que podem tentar migrar para a Europa. Com um número desproporcionalmente grande chegando aos países do sul da Europa, como Grécia e Itália, existe uma clara necessidade de alguma resposta da UE enquanto bloco. Se até mesmo a Alemanha adotar uma posição nacionalista, as tentativas de encontrar uma abordagem viável para a UE entrariam em colapso, e a política migratória seria ainda mais caótica e conflituosa.
A reação de Merkel à crise dos refugiados ajudou a transformá-la em um símbolo mundial. Durante as eleições nos EUA, Trump chamou as políticas da premiê alemã de “insanas” e previu repetidamente um aumento do terrorismo em toda a Europa.
Numa perspectiva mais ampla, após o Brexit, a eleição de Trump e o surgimento de governos semiautoritários na Polônia e na Hungria, Merkel foi amplamente saudada como o mais poderosa defensora de uma ordem liberal internacional que, de repente, estava sob pressão.
Nenhum dos prováveis substitutos de Merkel possivelmente abraçaria a agenda populista de Trump ou o euroceticismo dos defensores do Brexit. Mas está claro que uma grande parte das dificuldades atuais da premiê alemã decorre do surgimento da extrema-direita e da extrema-esquerda na Alemanha, que conseguiram somadas mais de 20% dos votos nas eleições de setembro. Se a premiê agora perder seu cargo – ou continuar enfraquecida, de mãos atadas – seu destino será percebido em todo o mundo como um grande revés para as ideias liberais e internacionalistas que ela defendeu.
O fato de Merkel terminar o ano lutando pela sua sobrevivência política reduzirá parte do otimismo que vinha se acumulando de forma constante nas elites da União Europeia no último ano. Os reveses com Trump e com o Brexit significaram que a UE começou 2017 num estado de choque e medo. Mas a vitória de Macron na França, um modesto ressurgimento do crescimento econômico e os desarranjos no processo do Brexit restauraram a confiança daqueles que são firmemente pró-europeus.
Em contraste com essas tendências positivas, porém, também houve sinais de alerta. Esses incluem o separatismo na Espanha, o populismo na Europa Central e as persistentes preocupações com relação aos bancos italianos. Em meio a todos esses problemas, a Alemanha de Merkel foi a base sobre a qual a UE esperava construir a estabilidade política e econômica. Se até mesmo a Alemanha já não parece sólida e previsível, o projeto europeu inteiro voltará a ter problemas.