Indicadores discutem recuperação nos EUA

Acuada pela epidemia que se acelera, a economia dos EUA está sob a pressão de demissões persistentes, renda em queda e consumidores nervosos, cujos gastos são necessários para impulsionar a recuperação. 

Uma enxurrada de dados divulgados ontem sugere que a propagação do vírus intensificou as ameaças a uma economia que ainda tem dificuldades para se recuperar da profunda recessão que a atingiu no início da primavera. 

O número de americanos que pede auxílio-desemprego aumentou na semana passada, pela segunda semana consecutiva, para 778 mil, um sinal de que muitos empregadores ainda estão cortando empregos, mais de oito meses depois de o vírus atingir o país. Antes da pandemia, os pedidos de auxílio-desemprego semanais costumavam chegar a cerca de 225 mil. As demissões ainda estão altas em níveis históricos, com muitas empresas impossibilitadas de reabrir completamente e algumas, em especial restaurantes e bares, diante de restrições ainda mais rígidas. 

Os consumidores elevaram seus gastos no mês passado em apenas 0,5%, o aumento mais fraco desde o início da pandemia. O número sugere que, às vésperas da temporada de compras de fim de ano, os americanos continuam ansiosos com a propagação do vírus e o fato de o Congresso não ter conseguido aprovar nenhuma ajuda adicional para indivíduos, empresas, cidades e Estados em dificuldades. Ao mesmo tempo, o governo informou que a renda, que fornece o combustível para os gastos do consumidor, caiu 0,7% em outubro. 

O salto no número de casos de infecção pelo vírus tem aumentado a pressão sobre empresas e indivíduos, com o temor crescente de que a economia possa sofrer uma recessão em “W” (duplo mergulho, quando ocorre recaída após breve melhora) à medida que Estados e cidades voltam a restringir os negócios. A expectativa é que a economia, como medida pelo Produto Interno Bruto (PIB), tenha um ganho modesto neste trimestre antes de enfraquecer – e talvez encolher – no início do ano que vem. Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics, prevê um crescimento anual do PIB de cerca de 2% no último trimestre do, com a possibilidade PIB negativo no primeiro trimestre de 2021. 

Para Peter Navarro, assessor de comércio da Casa Branca, as famílias americanas podem enfrentar um “abismo financeiro” com o fim do programa de estímulo no país. Navarro fez um apelo para que o Congresso chegue a um acordo sobre um novo pacote. Apesar do apelo de Navarro, a Casa Branca desistiu em parte dos esforços para fechar um novo acordo após meses de negociações paralisadas. 

Economistas do J.P. Morgan reduziram sua previsão para o primeiro trimestre, para uma taxa de PIB anual negativa de 1%. “Este inverno será sombrio”, escreveram em uma nota de pesquisa. 

Zandi alertou que o perigo para a economia só aumentará enquanto o Congresso não chegar a um acordo para substituir o recém-expirado pacote. “Se os parlamentares não conseguirem se acertar para isso, será difícil para a economia evitar o retorno à recessão.” 

Algumas partes da economia ainda mostram força, ou pelo menos resiliência. A manufatura é uma delas. As encomendas de bens duráveis aumentaram 1,3% em outubro, um sinal de que as compras de bens seguem sólidas mesmo quando o setor de serviços, muito maior, ainda está em dificuldades. Mas os economistas advertem que também as fábricas continuam sob risco com o aumento dos casos de coronavírus, que pode estrangular a demanda nos próximos meses. 

E as vendas de imóveis residenciais novos permaneceram estáveis em outubro, sinal de que as taxas de crédito imobiliário ultrabaixas e uma escassez de imóveis para venda estimularam a demanda e transformaram o mercado residencial em um raro caso de sucesso na esfera econômica. 

Mas no núcleo da economia estão o mercado de trabalho e os gastos do consumidor, que continuam particularmente vulneráveis ao aumento das infecções. A maioria dos economistas acredita que uma vacinação eficaz deve fortalecer o crescimento em 2021. Mas alerta para o fato de que qualquer recuperação sustentável dependerá de o Congresso conseguir aprovar em breve um pacote de auxílio considerável para ajudar a economia a passar pelo que poderá ser um inverno sombrio. 

“Com as infecções continuando a aumentar em ritmo acelerado e a ampliação das limitações às operações das empresas, as demissões tendem a se intensificar nas próximas semanas”, disse Rubeela Farooqi, economista-chefe da High Frequency Economics para EUA. 

A empresa de dados Womply diz que 21% das empresas pequenas estavam de portas fechadas no início deste mês, num crescimento persistente em relação aos 16% de junho. Os gastos do consumidor em empresas locais cairam 27% neste mês no comparativo com igual período do no passado, o que marca uma deterioração em relação à queda anual de 20% registrada em outubro, detectou a Womply. 

O número de infecções confirmadas nos EUA disparou para mais de 170 mil ao dia, a partir dos menos de 35 mil no começo de setembro. A chegada do clima frio pode agravar ainda mais a crise. 

Por outro lado, outra ameaça à economia se aproxima: a iminente expiração dos dois programas federais de complemento de renda aos desempregados no dia seguinte ao do Natal pode pôr fim aos benefícios de 9,1 milhões de desempregados. O Congresso está há meses por aprovar uma nova ajuda após a expiração de um pacote de socorro de vários trilhões de dólares que referendou em março. 

A expiração dos benefícios dificultará para o desempregado a tarefa de pagar aluguel, comprar comida ou manter as contas de abastecimento de serviços de infraestrutura em dia. A maioria dos economistas concorda que, pelo fato de os desempregados tenderem a gastar rapidamente seus benefícios, essa ajuda é eficiente em impulsionar a economia. 

Com o surto de vírus no fim de março, os empregadores fecharam 22 milhões de vagas em março e abril, levando o desemprego para 14,7%, o mais alta desde a crise de 1929. Desde então, a economia recuperou mais de 12 milhões de postos. Mas o país tem cerca de 10 milhões de empregos a menos do que antes da pandemia. 

O grupo de pesquisa da atividade econômica Conference Board informou que o grau de confiança do consumidor diminuiu em novembro, pressionado pela redução das expectativas para os próximos seis anos. “A degradação das expectativas dos consumidores afetará os gastos com a aproximação das festas de fim de ano”, alertou Kathy Bostjancic, economista-chefe para EUA da Oxford Economics. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/11/26/indicadores-colocam-em-duvida-recuperacao-nos-eua.ghtml

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