As nações mais ricas do mundo montaram o palco para uma revolução na tributação das empresas, mas ainda têm grandes desafios pela frente para realmente levarem as mudanças a cabo.
Negociações nas próximas semanas entre mais de 100 governos, prévias ao encontro do G-20 (grupo das maiores economias do mundo) em julho, tentarão avançar a partir das linhas gerais acertadas no acordo neste mês dos ministros das Finanças do G-7 (grupo das sete maiores economias ricas).
Apesar dos avanços quanto a uma alíquota tributária mundial mínima a ser aplicada sobre empresas e apesar da mudança de filosofia, permitindo que um país tribute os lucros de grandes nomes nacionais de outros países, há diversos detalhes técnicos a resolver.
Definir que empresas serão incluídas e como os governos ainda poderiam se valer de incentivos tributários para encorajar atividades econômicas apesar de um imposto mínimo global são alguns dos problemas que têm travado as negociações no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A adoção de qualquer acordo pode demorar anos, exigindo emendas em tratados comerciais e em leis nacionais. Além disso, os receios quanto à sua aplicação na prática também poderiam inviabilizar um acordo.
“Já faz um mês que estamos tendo poucas horas de sono”, disse Pascal Saint-Amans, encarregado de comandar essas negociações na OCDE, à televisão francesa em 14 de junho. “As próximas duas semanas serão muito importantes.”
O acordo do G-7 acertou os princípios gerais sobre a transferência do local de tributação de parte dos lucros das empresas, que passaria dos países onde elas têm sede para os países onde elas fazem a venda. Mas decidir que empresas incluir – aquelas referidas no acordo com estando “no escopo” – ainda é um desafio.
Em abril, o governo Biden propôs usar critérios de receita e de margens de lucro para limitar a lista a cerca de 100 empresas. Isso ajudou a neutralizar os conflitos sobre critérios mais qualitativos ou, por exemplo, sobre a adoção de alguma diferenciação para as empresas de tecnologia, mas os países ainda precisam chegar a um acordo final sobre os limites que determinariam a entrada de uma empresa em tal lista.
O G-24 (grupo de países em desenvolvimento, que inclui Brasil, Rússia, Índia e África do Sul) defende que os critérios de abrangência sejam gradualmente alterados, de forma a incluir mais de 100 empresas, segundo um comunicado enviado a outros governos em maio.
Os países também precisam decidir quanta arrecadação tributária deverão compartilhar, uma vez que o G-7 prevê realocar “pelo menos 20%” dos lucros acima de uma margem de 10%. As economias em desenvolvimento querem a maior fatia possível do imposto sobre o lucro das multinacionais que operam em seus territórios.
Os negociadores também estão revendo critérios qualitativos polêmicos, que manteriam a Amazon.com, de baixa margem de lucro, dentro dos parâmetros por meio da separação de suas linhas de negócios mais lucrativas. As empresas têm reclamado que tal segmentação pode ser altamente complexa, em particular quando fazem a própria contabilidade financeira de forma diferente.
Se as firmas de serviços financeiros forem excluídas, como se espera, isso representaria outro problema, já que diferenciá-las claramente das empresas de tecnologia está cada vez mais difícil.
O chamado segundo pilar das negociações criaria uma taxa de imposto global mínima sobre as empresas, uma grande oportunidade para ampliar a arrecadação governamental, o que é prioridade nos EUA e tem amplo apoio em outros países. A OCDE estima que US$ 150 bilhões adicionais por ano podem ser gerados a partir de regras mais rígidas dos EUA sobre o lucro no exterior e uma alíquota global mínima de 15%.
Isso será uma ideia difícil de vender para a Irlanda, cuja alíquota sobre as empresas é de 12,5%. Além disso, alguns países, como a China, querem exceções nas regras, que lhes permitam atrair investimentos em alta tecnologia por meio de incentivos tributários.
“Um imposto mínimo é transferir parte da soberania tributária e do modo como você oferece incentivos a algum tipo particular de investimento estrangeiro”, disse David Linke, diretor da área de serviços legais e tributários na KPMG. “Essa é uma questão difícil.”
Um acordo na OCDE poderia erradicar uma série de tarifas aplicadas, principalmente, sobre empresas de tecnologia americanas, que muitos países impuseram de forma unilateral nos últimos anos e que desencadearam ameaças de retaliação por parte dos EUA.
Para restaurar a confiança mútua, os negociadores precisam chegar a um consenso sobre quais dessas medidas seriam revertidas e quando. Tais países não se mostram inclinados a abolir as tarifas até que recebam alguma arrecadação adicional decorrente do acordo na OCDE. Conseguir a adesão dos países em desenvolvimento pode ser difícil já que não ganharão muito no processo.
“Cada país terá que pesar o custo e os benefícios”, disse Marilou Uy, diretora do G-24. “Em particular, porque lhes será pedido que abram mão de medidas tributária unilaterais.”
Implementar quaisquer novas regras acertadas nas reuniões do G-20 em julho ou outubro é algo que exigirá muitas mudanças nos tratados e nas leis nacionais.
Trata-se de um tema espinhoso na União Europeia, onde diretrizes sobre mudanças tributárias no bloco exigem aprovação unânime e onde muitos países podem se opor a leis que sigam um acordo da OCDE. Além das reservas da Irlanda quanto ao imposto global mínimo de 15%, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, chamou o plano de “absurdo”.
Os EUA também se deparam com vários obstáculos, pois um acordo pode exigir a aprovação de leis no Congresso. Além disso, mudanças em tratados precisam de maioria de dois terços no Senado.
Os democratas, em grande medida, apoiam os esforços da secretária do Tesouro, Janet Yellen, para remodelar os impostos internacionais, mas os líderes do partido querem ter garantias quanto ao comprometimento de outros países antes de pedir aos correligionários para que votem a favor de uma controversa alíquota mínima.