High­tech chinês na mira dos EUA

O último mês foi dominado pelas ameaças de guerra comercial entre China e EUA. A primeira batalha teve como característica o anúncio de listas de produtos passíveis de aumentos tarifários que impactariam em bilhões de dólares de comércio bilateral, sendo o último anúncio, o de US$ 200 bilhões em diminuição do déficit pedido pelo governo americano.
De medida concreta até o momento, houve somente a elevação das tarifas
contra o aço, onde os maiores afetados acabaram sendo parceiros tradicionais
dos EUA, como o Brasil e a Argentina, e não necessariamente a China. No entanto, o que realmente importará nessa guerra comercial é uma disputa que terá início em breve. Washington já percebeu que o maior risco na relação econômica e comercial com a China é sua possível perda de liderança, em um futuro não muito distante, em mercados de alto valor tecnológico. Esqueça o aço ou produtos manufaturados, é no terreno da tecnologia que será travada a principal batalha entre as duas maiores economias no mundo, como mostrou artigo de Andre Soares publicado no Valor de 7/05.
Na última década a economia chinesa passou por um processo de transformação que foi além dos massivos investimentos em infraestrutura que geraram sobrecapacidade em uma série de setores, inclusive o do aço. Em outubro de 2010, o governo chinês lançou sua primeira política com vistas a realizar um catch up tecnológico. Pequim decidiu por começar a investir e financiar projetos em sete grandes setores emergentes, dentre eles estavam presentes a cadeia de produção de novas energias e novas gerações de tecnologia da informação.
Já em 2015, logo após o ingresso do atual governo, essa política ganhou uma nova roupagem, chamada agora de Made in 2025. A gama de setores foi estendida de sete para dez, incluindo robótica e inteligência artificial. Além disso, o plano também indica que a China buscará a liderança nestas áreas tanto no mercado doméstico, quanto no internacional. O objetivo central é que as empresas chinesas desenvolvam a capacidade não somente de produzir, como também de projetar as novas gerações de produtos em setores de fronteira tecnológica.
Os resultados desta transformação ficam claros quando se observa a variação do grupo de produtos de alta tecnologia na pauta de exportação da China. Ao se comparar dados de 2016 com os de 2006, percebe-se o avanço destas políticas, onde as exportações de produtos classificados como de média e alta tecnologia de setores de engenharia, automotivo e de máquinas e equipamentos, praticamente dobraram de US$ 154 bilhões para US$ 399 bilhões. O mesmo pode ser visto no peso do total da pauta de exportação, onde estes produtos representavam 19% do total em 2006 e subiram para 24% em 2016.
Independente dos resultados desta visita, resta agora somente torcer para que essa nova etapa de embates entre Estados Unidos e China não tenha os mesmos impactos que teve a questão do aço. Tomara que não sobre para o resto do mundo dessa vez
Estes dados também apontam para outra preocupação dos americanos. Enquanto em 2006, esses produtos possuíam maior penetração em mercados da Ásia, em 2016, foi possível observar o ingresso de produtos chineses de alta tecnologia também em países do Leste Europeu e da América Latina. Isso significa que a China tem expandido a abrangência de suas exportações tecnológicas e conquistado mercados mais próximos dos americanos.

E não para por aí. Outro aspecto desta disputa é a corrida por quem se posicionará na liderança na área de inteligência artificial e big data. Apesar dos americanos ainda serem soberanos nestes segmentos em termos de volume investido, US$ 17 bilhões versus US$ 3 bilhões, e número de companhias, 3 mil versus com 800, a China tem expandido sua presença de forma acelerada. Neste momento, características específicas do mercado chinês como o elevado número de usuários domésticos, o sistema fechado de internet, excelente infraestrutura de TI e, até mesmo, regras mais flexíveis de acesso por parte das empresas dos dados de seus usuários, formam um ecossistema de negócios que propicia o rápido crescimento e sofisticação das empresas chinesas. O desafio para os chineses nessas áreas será como se internacionalizar e trabalhar em mercados onde não há um ecossistema tão favorável para seu modelo de negócio.
Não obstante, outra grande questão para os americanos na disputa com os chineses por mercados de alta tecnologia é a alegação de que as empresas americanas, para ingressarem no mercado chinês, são forçadas a transferir tecnologia para seus parceiros locais. E é nessa área que Washington pode impor perdas a Pequim. Um relatório do Conselho Empresarial EUA-China indica que 80% de seus membros possuem grande preocupação com o tema e 19% deles já foram diretamente requisitados a transferir tecnologia para seus parceiros locais.
Neste momento, Washington poderia retaliar os chineses nos EUA, ao alegar potenciais riscos à segurança nacional e travar o ingresso e expansão de empresas chinesas em território americano. Caso a China decida recuar e responder à preocupação dos americanos nesta área, espera-se uma flexibilização nas regras de ingresso de empresas estrangeiras na China, dando a elas maior liberdade para atuar no mercado chinês sem ter de entrar em parcerias com empresas locais.
O que falta agora para se ter uma ideia dos desdobramentos deste embate é ver como a Casa Branca pretende se posicionar. Há a percepção de que a comitiva que foi enviada para Pequim na semana passada possui duas visões sobre o que deve ser negociado com a China. Se por um lado o Secretário do Tesouro e do Comércio buscam chegar a um acordo no curto prazo que acalme os mercados financeiros, por outro, o Secretário do Trade Representative e o Assessor do Presidente para Comércio Exterior entendem que a disputa com a China impõe desafios essenciais para o desenvolvimento da economia americana e que estes temas não são de fácil solução.
Independente dos resultados desta visita, resta agora somente torcer para que essa nova etapa de embates entre EUA e China não tenha os mesmos impactos que teve a questão do aço. Tomara que não sobre para o resto do mundo dessa vez.

http://www.valor.com.br/opiniao/5506273/high-tech-chines-na-mira-dos-eua#

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