Guerra na Ucrânia está criando empresas vencedoras e perdedoras

The Economist; A maioria das empresas multinacionais pode viver sem os consumidores russos. Viver sem as commodities russas seria muito mais difícil. Em 15 de março, a Comissão Europeia anunciou novas restrições econômicas à Rússia, inclusive a suspensão das exportações de artigos de luxo e carros europeus – a definição de itens essenciais está, no final das contas, nos olhos do oligarca. Mas o anúncio também inclui a proibição dos produtos de aço da Rússia. E mais restrições semelhantes às exportações russas podem surgir.

As empresas estão tendo dificuldades em controlar as consequências da invasão brutal da Ucrânia pela Rússia. A primeira resposta daqueles com empresas em solo russo foi sair de lá correndo. Segundo um cálculo, cerca de 400 anunciaram que deixariam o país por temer riscos legais e para sua reputação. Os executivos agora enfrentam um desafio diferente e maior. Ele não está relacionado com suas atividades comerciais na Rússia, mas com as cadeias de suprimentos que se estendem além do país e outros efeitos indiretos. Conforme a guerra continua, ela está criando empresas vencedoras e perdedoras, assim como uma terrível enorme volatilidade.

Existem dois fatores que tornam o impacto nas cadeias de suprimentos particularmente difícil para as empresas darem conta. O primeiro é a variedade de commodities produzidas pela Ucrânia e pela Rússia. Os dois países juntos são responsáveis por 26% das exportações mundiais de trigo, 16% das de milho, 30% das de cevada e por cerca de 80% das de óleo de girassol e farelo de semente de girassol. A Ucrânia fornece aproximadamente metade do neônio do mundo, usado para marcar microchips. A Rússia é o terceiro maior produtor depetróleo do mundo, o segundo maior produtor de gás e o maior exportador de níquel, usado em baterias para automóveis, e paládio, usado em sistemas de escapamento de veículos; além de um grande exportador de alumínio e ferro. Mesmo sem sanções formais à maioria das commodities russas, os comerciantes ocidentais estão cada vez mais tentando evitá-las, com receio dos riscos legais.

O segundo fator complicador são as extraordinárias oscilações de mercado. O preço do petróleo Brent subiu para US$ 128 o barril em 8 de março, então caiu para menos de US$ 100 uma semana depois, quando a China anunciou novas restrições contra a covid-19 e os investidores anteciparam o aumento da taxa de juros do banco central americano (Fed) em 16 de março. As negociações do níquel na Bolsa de Metais de Londres (LME, na sigla em inglês) foram suspensas em 8 de março depois de seu preço ultrapassar o recorde de US$ 100 mil a tonelada. Quando elas foram retomadas em 16 de março, um problema técnico levou a bolsa a interromper as negociações mais uma vez.

O mercado de ações americano em geral está de volta ao que era antes da invasão russa. Mas alguns setores se beneficiam com o conflito, desde fabricantes de armas até canais de notícias da TV a cabo e advogados que ajudam as empresas a obedecer às sanções. As grandes vencedoras são as empresas de commodities, sobretudo fora da Rússia.

O desempenho dos frackers americanos na bolsa, que se beneficiam dos altos preços do petróleo e da demanda europeia por gás natural liquefeito, subiu 20% entre 23 de fevereiro e 10 de março. Ele continua 9% acima do nível pré-invasão, apesar da queda nos preços do petróleo. As mineradoras estão, como um grupo, também com bom desempenho, impulsionadas pelos preços mais altos dos metais, assim como as fabricantes de aço (exceto as russas). Os preços das ações da U.S. Steel e da Tata Steel, com sedes em Pittsburgh e Mumbai, respectivamente, subiram 38% e 11% desde as vésperas da invasão.  A Bunge e a ADM, duas grandes empresas de capital aberto especializadas em processamento de grãos, também apresentaram desempenho superior no mercado.

A guerra não afeta todas as empresas de commodities da mesma forma. A Rio Tinto, uma grande mineradora, anunciou em 10 de março que encerraria uma joint venture com a Rusal, gigante russa produtora de alumínio. A disparada dos custos com a eletricidade devido ao aumento do gás natural, 40% do qual a Europa recebe da Rússia, forçou alguns produtores de aço espanhóis a reduzir a produção.

Os insumos caros são um problema generalizado para os setores mais acima na cadeia de valor. No exato momento em que estavam se preparando para decolar, conforme as restrições de viagens por causa da pandemia eram flexibilizadas, as companhias aéreas foram atingidas pelo aumento dos preços do combustível. A Yara International, fabricante de fertilizantes norueguesa, disse em 9 de março que os gastos com o gás natural fizeram com que ela reduzisse sua produção em duas fábricas na Europa.

As montadoras, que ainda não se recuperaram das interrupções nas cadeias de suprimentos causadas pela pandemia, enfrentam novos problemas. A Volkswagen e a BMW, duas gigantes alemãs, reduziram a produção na Europa enquanto procuram novos fabricantes de chicotes elétricos, condutor que interliga com seus quilômetros de cabos os diferentes sistemas de um carro, para substituir os fornecedores ucranianos impossibilitados de trabalhar. O Morgan Stanley calcula que o salto de 67% nos preços do níquel antes da suspensão das negociações representou um aumento de aproximadamente mil dólares nas despesas com insumos para o veículo elétrico intermediário americano.

Gabriel Adler, do Citigroup, destaca que as montadoras até agora foram bem-sucedidas repassando seus custos aos consumidores. A Tesla, famosa fabricante americana de carros elétricos, aumentou os preços este mês; Elon Musk, CEO da empresa, queixou-se em um tuíte de “uma pressão inflacionária recente significativa em matérias-primas e logística”. Um poder de precificação como esse é invejável. Mas tem seus limites. Em algum momento, as pessoas não estarão dispostas a absorver mais aumentos.

Em alguns casos, os consumidores estão começando a recusar. As empresas americanas de alimentos vêm aumentando os preços há meses para compensar as despesas maiores com energia, transporte e ingredientes. No entanto, elas não conseguiram fazer isso com rapidez suficiente para proteger as margens. A necessidade de negociar preços com donos de supermercados limita sua capacidade de aumentá-los sempre que desejarem. Os supermercados, por sua vez, estão sob pressão dos consumidores. Robert Moskow, do Credit Suisse, observa que no ano passado as pessoas estavam dispostas a tolerar alimentos mais caros.  Mas o impacto da guerra sobre os preços das commodities acontece no momento em que a paciência delas está se esgotando, principalmente nos Estados Unidos, onde a inflação atingiu o maior patamar em 40 anos.

“Toda empresa de alimentos deve estar ficando um pouco nervosa por estar pressionando demais o consumidor”, diz Moskow. Conforme as despesas com os insumos continuam a subir, parece cada vez mais provável que as empresas serão obrigadas a escolher entre reduzir os lucros e enfraquecer a demanda. 

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