Guerra de drones da Ucrânia esbarra em obstáculo inédito: China não coopera

Cercado de recintos repletos de pilhas de munições de fragmentação e bombas termobáricas semiprontas, um soldado da 92.ª Brigada Mecanizada da Ucrânia trabalhava recentemente na parte final de uma mortífera cadeia de fornecimento que se estende de fábricas na China até este porão, a 8 quilômetros das linhas de frente da guerra contra a Rússia.

É neste local que soldados ucranianos transformam drones de lazer em armas de combate. Em uma mesa atulhada e desorganizada, o soldado acoplava uma bateria modificada a um quadricóptero, para que ele pudesse voar mais longe. Posteriormente pilotos pendurariam com abraçadeira um cartucho de fabricação caseira à parte de baixo dos drones e então explodiriam os dispositivos arremessando-os contra trincheiras e tanques russos, transformando-os em mísseis guiados por humanos.

Os veículos aéreos não tripulados (vants) têm sido tão eficazes em combate que a maioria dos rotores e carenagens que lotavam esta oficina no porão seria usada até o fim da semana. Encontrar novos fornecedores se tornou um trabalho em tempo integral.

“De noite, nós fazemos missões de bombardeio e durante o dia pensamos sobre como conseguir novos drones”, afirmou o oficial Oles Maliarevich, de 44 anos, da 92.ª Brigada Mecanizada. “É uma busca constante.”

Mais do que qualquer outro conflito na história humana, o combate na Ucrânia é uma guerra de drones. Isso ocasiona uma crescente dependência de fornecedores dos vants — especificamente da China. Enquanto Irã e Turquia produzem drones militares grandes, usados pela Rússia e pela Ucrânia, os drones comerciais baratos que se tornaram onipresentes na linha de frente vêm principalmente da China, a maior fabricante mundial desses equipamentos.

Isso deu à China uma influência furtiva numa guerra que é travada em parte com eletrônicos comerciais. Conforme os ucranianos levaram em conta todos os tipos de drones e os reformaram para transformá-los em armas, eles ainda têm de encontrar novas maneiras de manter seus fornecimentos e continuar inovando nos aparelhos. Mas esses esforços têm esbarrado em mais dificuldades, à medida que os chineses diminuíram suas vendas a partir de 1.º de setembro, quando novas regras de exportação de componentes de drones passaram a vigorar na China.

“Nós estamos examinando todas as maneiras possíveis de comprar drones da China, porque, apesar do que possam dizer, a maioria é produzida lá”, afirmou Maliarevich, que auxilia na aquisição de drones de sua unidade.

Ao longo de quase uma década, empresas chinesas como DJI, EHang e Autel produziram drones em escala cada vez maior. Hoje elas fabricam milhões de dispositivos voadores para fotógrafos amadores, amantes da vida ao ar livre e cinegrafistas profissionais, superando de longe outros países. A DJI, a maior fabricante de drones da China, domina uma fatia de mais de 90% do mercado mundial de drones comerciais, de acordo com o instituto de pesquisas DroneAnalyst.

Mas nos meses recentes, empresas chinesas cortaram as vendas de drones e componentes para os ucranianos, de acordo com uma análise do New York Times de dados comerciais e entrevistas com mais de uma dúzia de fabricantes, pilotos e professores de pilotagem de drones ucranianos. As empresas chinesas ainda dispostas a vender com frequência exigem que os compradores usem complicadas redes de intermediários, similares às que a Rússia tem usado para contornar as sanções americanas e europeias.

Alguns ucranianos foram forçados a implorar, pegar emprestado ou contrabandear o que é necessário para compensar os drones explodidos nos céus pelo inimigo. A Ucrânia perde estimados 10 mil drones ao mês, de acordo com o centro de análise britânico Royal United Services Institute. Muitos temem que as novas regras chinesas restringindo as vendas de componentes de drones possam agravar problemas na cadeia de fornecimento com a aproximação do inverno (Hemisfério Norte).

Essas dificuldades colaboram para a Rússia. As exportações diretas de drones de empresas chinesas para a Ucrânia totalizaram pouco mais de US$ 200 mil este ano até junho, de acordo com dados comerciais. No mesmo período, a Rússia recebeu pelo menos US$ 14,5 milhões em drones de empresas comerciais chinesas. A Ucrânia ainda recebeu milhões de dólares em drones e componentes, mas a maioria através de intermediários europeus, de acordo com dados aduaneiros oficiais da Rússia, da Ucrânia e de uma terceira fonte.

Os ucranianos estão fazendo hora extra para construir o máximo possível de drones para reconhecimento, bombardeios e missões kamikaze. O país também reservou US$ 1 bilhão para um programa que dá apoio a aceleração de startups de drones e outros esforços de aquisição de drones.

Os soldados ucranianos, obrigados a improvisar na eletrônica desde os primeiros dias da guerra, agora têm de trabalhar também como gerentes amadores de cadeias de fornecimento. Maliarevich contou que membros de sua unidade tiveram de se virar para comprar novas antenas para drones de reconhecimento capazes de evitar embaralhamento de sinal dos russos. Um amigo que vive em Boston acabou trazendo duas quando visitou a Ucrânia.

“Nós temos que reinventar cadeias de fornecimento cada vez mais complicadas”, afirmou a especialista em drones de combate Maria Berlinska, que atualmente dirige o projeto Drones da Vitória na Ucrânia, que treina tropas no uso da tecnologia. “Nós temos de convencer as fábricas chinesas a nos ajudar com esses componentes, porque elas não estão felizes em nos ajudar.” Vencer a guerra tornou-se “uma maratona tecnológica”, disse ela.

Guerra de inovação

Numa manhã quente de agosto, duas dúzias de soldados ucranianos treinavam em uma nova arma de guerra: um drone agrícola adaptado conhecido como “o morcego”. Voando sobre um campo de milho nas imediações da cidade de Dnipro, no leste ucraniano, os drones soltaram garrafas cheias de areia sobre lonas que serviram de alvo. Os soldados voltaram posteriormente para suas unidades com os drones, que carregam bombas de 20 quilos que podem alvejar tanques.

Os bombardeiros movidos a rotores foram fabricados pela empresa ucraniana Reactive Drone, que deve sua existência à política industrial chinesa. A empresa foi fundada em 2017 por Oleksii Kolesnik e amigos depois que subsídios chineses ocasionaram uma oferta abundante de componentes de drones fabricados por lá. Kolesnik se aproveitou disso para conseguir componentes para fabricar seus próprios drones agrícolas, que depois ele vendia para fazendeiros que os usavam para aplicar pesticidas nos campos do leste da Ucrânia.

Quando a guerra começou, tudo mudou. Kolesnik, que estava na Romênia a negócios, correu de volta para sua cidade, Dnipro. Dias depois, ele e sua equipe adaptaram seus drones agrícolas para a batalha.

Um frenesi similar tomou toda a Ucrânia. A engenhosidade nascida da necessidade fez com que muitos ucranianos adaptassem tecnologias comerciais para uso em situações de vida ou morte. Os drones emergiram como a arma assimétrica definitiva, soltando bombas e oferecendo visualizações claras de alvos.

Nas primeiras semanas da guerra, soldados ucranianos usavam o Mavic, um quadricóptero produzido pela DJI. Com seu forte sinal de rádio e controles fáceis de usar, o Mavic se tornou tão importante e onipresente quanto as antenas Starlink fabricados pela SpaceX, de Elon Musk, que ajudam os soldados a se comunicar.

Em abril de 2022, a DJI afirmou que descontinuaria suas atividades na Rússia e na Ucrânia. A empresa fechou suas principais lojas nesses países e suspendeu a maioria das vendas diretas. Em vez disso, voluntários apoiados por arrecadações de recursos online trouxeram drones aos milhares à Ucrânia, com frequência da Europa. A Rússia encontrou novos canais por meio de amigos na vizinhança, ao mesmo tempo que continuou a receber drones de exportadores chineses.

Soldados russos e ucranianos também começaram a usar outros produtos da DJI, incluindo um dispositivo chamado AeroScope. O equipamento, uma caixa equipada com antenas, pode ser colocado no chão e acionado para rastrear localizações de drones detectando os sinais que eles emitem. A função mais perigosa do sistema é sua capacidade de encontrar pilotos operando remotamente drones DJI.

Um esforço foi empreendido para hackear o software da DJI e desabilitar a ferramenta de rastreamento. Até o fim do ano passado, uma combinação entre alternativas em software e correções em hardware, como antenas mais poderosas, solucionaram quase completamente o problema.

“A eficácia dos AeroScopes não é a mesma de um ano atrás”, afirmou o diretor do Serviço Estatal de Comunicações Especiais da Ucrânia, Yurii Shchihol, que é responsável por cibersegurança.

Os produtos da DJI continuam a surtir um impacto de vida ou morte no front. Cada vez que o software da empresa é atualizado, pilotos e engenheiros se apressam para romper suas proteções de segurança e modificá-lo, compartilhando dicas em grupos de chat.

Por e-mail, a DJI afirmou que notificou repetidamente seus distribuidores e que eles estão proibidos de vender produtos ou componentes para clientes na Rússia e na Ucrânia.

Agora o maior problema é a quantidade de drones e a capacidade de produção. Nas instalações da Reactive Drone em Dnipro, onde técnicos trabalham em drones usados na linha de frente, Kolesnik afirmou que compra componentes da China por enquanto porque possui conexões pessoais com fábricas chinesas. Ele se deparou com apenas um grande obstáculo: um vídeo online de seus drones chamou a atenção das autoridades chinesas, e a empresa que produziu a câmera que ele usou cortou relações publicamente.

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