Futuro do jornalismo? Questão não é formato, é conteúdo

Fazer previsões sobre o futuro dos jornais é bem arriscado. Para deixar isto bem claro, o editor-executivo da Folha de São Paulo, Sérgio Dávila, em palestra ontem na ESPM, contou uma história simples: em 2000, em Nova York, como correspondente da Folha, Dávila foi avisado do sucesso que fazia um professor da Colúmbia University, um indiano, na análise do futuro das novas tecnologias, incluindo a mídia. O guru revelou a sua certeza: em dez anos os jornais impressos desaparecerão e serão entregues em novo formato o do CDROM. Quem desapareceu, como se sabe, foi o CDROM… O exemplo é suficiente, na visão de D’Avila, para frear a ambição de qualquer um de fazer previsões sobre futuro de mídias.
Na palestra, que foi a Aula Magna do Curso de Jornalismo neste semestre, Dávila centrou suas observações no “Projeto Folha”. Em 2010, três decisões estratégicas foram tomadas no grupo: unificar as redações (do impresso e do digital); unificar os conteúdos e cobrar pelo conteúdo digital. Não foi fácil o processo: cada editoria tinha um comando e foi preciso tomar decisões complicadas, por exemplo, os editores do digital passaram a ser subeditores do conteúdo unificado.
Porém, decisões editoriais dependem de condições empresariais. Hoje, como contou o editor–executivo, de cada R$ 100 gerados como receita no grupo Folha, R$ 70 deles vem do jornal impresso, assinatura ou publicidade. Já foi pior essa divisão: em 2010, era R$ 90 em cada cem. Mas, foi preciso mudar a mentalidade: o repórter que sai para a rua não pode ficar preocupado “onde vai sair” sua matéria. A mudança ganhou operacionalidade neste ponto: não existe mais, segundo Dávila, o “ser monotemático”, que só escreve, ou só fala… duas ou mais habilidades devem estar no mesmo profissional. Na apresentação de Dávila, José Roberto Whitaker Penteado, Diretor-Presidente da ESPM, comentou que a análise e difusão da realidade contemporânea é função essencial do jornalismo. O editor-executivo da Folha mencionou esta imagem para dizer que o fim do “ser monotemático” não significa nenhuma perda de qualidade. E deu um exemplo “de 79 caracteres”, uma tuitada essencial: “Palocci aumenta patrimônio durante vida pública. Ministro nega irregularidades”. As regras essenciais do bom jornalismo foram preservadas, em especial, a de ouvir o outro lado. Tudo em 79 caracteres.
A terceira decisão estratégica, de cobrar por conteúdo digital tinha sentido também empresarial. O leitor que migra do impresso para o digital passa a “valer” de um terço à metade em termos de geração de receita. O fato gerou pergunta básica: como manter a qualidade do veículo se a renda cai? A cobrança de conteúdo digital tem este sentido, de equilíbrio entre custos e preservação de qualidade, segundo Dávila. Os resultados dessa decisão chegaram: o site da Folha tem hoje a média de 21 milhões de visitantes/mês e as assinaturas digitais cresceram. Hoje, o grupo tem  45 mil assinantes de mídia eletrônica.
Na palestra, Dávilal afirmou que construiu apenas uma certeza na sua longa trajetória profissional: as múltiplas  habilidades requeridas dos novos jornalistas serão cobradas neste modelo de negócio, que aproxima a mídia impressa e a mídia digital.
Sem outras certezas sobre o futuro, Dávila insistiu em um ponto: na internet tudo que é publicado tem o que chamou de a “mesma estridência”. A principal função do jornalista é dosar esta estridência. E precisam fazer isto “tirando sempre o leitor de sua zona de conforto”, quer dizer: as pessoas buscam qualquer veículo porque gostam de um tema, seja qual for; e   devem ser levadas pelo jornalista a olhar outros assuntos “que elas nem sabiam que gostavam”. Para Dávila, esta é uma importante função do ofício: apresentar a realidade. Impresso, ou na internet, essa função continuará relevante.

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