A Organização Mundial do Comércio (OMC) alertou para o risco de o comércio internacional tornar-se mais fragmentado em blocos baseados em geopolítica, na esteira da invasão da Ucrânia pela Rússia. E avalia que isso pode fazer o PIB global crescer cerca de 5% a menos no longo prazo, pela restrição da concorrência e da inovação.
A perda de renda com essa situação seria especialmente grave para economias emergentes e em desenvolvimento. A OMC nota que a perda da atividade econômica poderia ser mais severa, pois sua estimativa considera apenas um conjunto limitado dos ganhos do comércio que seriam perdidos.
Em estudo divulgado ontem, a OMC avalia que os preços maiores de alimentos e curto prazo, devido á guerra. Os custos comerciais sobem por causa das sanções, restrições à exportação, custos maiores de energia e interrupções no transporte. Como isso, o impacto da guerra no comércio global em 2022 pode ser maior do que o impacto no PIB global.
Pelo seu modelo de simulação econômica global, a OMC prevê que a crise pode reduzir o crescimento do PIB global em 0,7-1,3 ponto percentual, resultando em um crescimento entre 3,1% e 3,7% para 2022. Nesse cenário, a expansão do comércio global neste ano pode cair quase pela metade, dos 4,7% previstos pela OMC em outubro, para entre 2,4% e 3%.
A entidade destaca que o peso do sofrimento e da destruição causados pela guerra é sentido pelo povo da Ucrânia, mas que os custos em termos de redução do comércio e da produção deverão afetar pessoas em todo o mundo – tanto pela alta de preços como pela queda nas exportações da Rússia e da Ucrânia, por exemplo.
Além de Rússia e Ucrânia, a Europa provavelmente será afetada por um PIB mais fraco, diz a OMC, pela proximidade geográfica e por sua dependência da energia russa. Os países mais pobres correm risco elevado com a guerra, pois têm de usar uma parte maior de sua renda em alimentos, em comparação aos países mais ricos, e “isso pode ter impacto na estabilidade política”.
Rússia e Ucrânia têm participações modestas no comércio e na produção mundial geral, mas são importantes fornecedores de produtos essenciais, notadamente alimentos e energia. Forneceram cerca de 25% do trigo, 15% da cevada e 45% do girassol em 2019. Só a Rússia responde por 9,4% do comércio global de combustíveis, incluindo 20% da exportação de gás natural.
Os dois países também são fornecedores-chave de insumos para as cadeias de valor industriais. A Rússia é um dos principais produtores de paládio e ródio, essenciais para os conversores catalíticos de automóveis, e atendeu 26% da demanda global de paládio em 2019. A produção de semicondutores depende, em boa parte, do néon fornecido pela Ucrânia. Para a OMC, a interrupção do fornecimento desses insumos pode atingir as montadoras num momento em que a indústria ainda sofre com escassez de semicondutores.
Além da Europa, a África e o Oriente Médio são as regiões mais vulneráveis, já que importam mais de 50% de suas necessidades de cereais da Ucrânia e/ou da Rússia. “A crise atual pode exacerbar a insegurança alimentar internacional num momento em que os preços dos alimentos já estão historicamente altos devido à pandemia e a outros fatores”, destaca a OMC.
Além disso, alerta para riscos de longo prazo, como de a guerra desencadear uma fragmentação da economia global em blocos separados. As sanções econômicas podem fazer com que as grandes economias avancem para essa fragmentação por considerações geopolíticas, com o objetivo de alcançar uma maior autossuficiência na produção e no comércio. Mesmo que não surjam blocos formais, os atores privados podem optar por minimizar os riscos reorientando as suas cadeias de suprimento.
“Isto destaca a importância do sistema comercial multilateral baseado em regras”, afirma a OMC. “Manter os mercados abertos será fundamental para garantir que as oportunidades econômicas permaneçam abertas a todos os países”.