Faz sentido preocupar-se com a China?

Os mercados de ações estão efetivamente passando por uma correção, com o mercado chinês na vanguarda. Entre seu pico em junho e terça-feira, o índice de Xangai caiu 43%. No entanto, o mercado acionário chinês continua 50% mais valorizado do que no início de 2014. A implosão da segunda bolha chinesa no mercado de ações em uma década parece ainda não ter chegado ao fim.

Talvez o mercado tenha compreendido quão desestabilizadoras são algumas das opções que os chineses podem escolher. Entre elas, desvalorização, juros ultrabaixos e até mesmo flexibilização quantitativa. Se assim for, o excesso de poupança global pode piorar. Isso afetaria todo mundo como mostrou artigo do Financial Times, assinado por Martin Wolf, publciado no Valor de 26/08, pg A13.

O mercado chinês não é um mercado normal. Ainda mais do que a maioria dos mercados, trata-se de um cassino onde cada jogador espera encontrar um “tolo maior” em quem descarregar ações supervalorizadas antes que seja tarde demais. Um mercado assim tende a ser extremamente volátil. Mas seus caprichos devem nos dizer pouco sobre a economia chinesa como um todo.

De todo modo, os acontecimentos no mercado chinês têm um significado mais amplo segundo duas maneiras correlatas. Uma delas é que as autoridades chinesas decidiram apostar um volume substancial de recursos, e até mesmo sua autoridade política, no esforço (sem êxito, o que não surpreende) para deter o colapso da bolha. A outra é que elas devem ter sido levadas a fazê-lo devido às preocupações com a economia. Se elas estão tão preocupadas a ponto de apostar numa esperança improvável, também nós deveríamos nos preocupar.

E essa não é a única maneira pela qual o comportamento das autoridades chinesas nos dá razões para preocupação. A outra foi a decisão de desvalorizar o yuan em 11 de agosto. Em si mesmo, esse também é um evento desimportante, com uma desvalorização acumulada frente ao dólar de apenas 2,8% até agora. Mas tem implicações significativas. As autoridades chinesas querem espaço para reduzir os juros, como aconteceu nesta terça-feira. Mais uma vez, isso evidencia as preocupações das autoridades em relação à saúde da economia.

Os acontecimentos recentes precisam ser vistos no contexto de uma preocupação mais profunda. A questão é se as autoridades chinesas podem assegurar, e se garantirão, uma mudança: de uma economia movida a investimentos para outra, dominada por consumo, ao mesmo tempo em que sustentam a demanda agregada. Caso consigam, a economia sustentará um crescimento de 6% a 7%. Se não conseguirem, haverá riscos de instabilidade econômica e política.

A economia chinesa já desacelerou. As referências a um “novo normal” reconhecem essa realidade. Mas a “Consensus Economics” reuniu previsões de crescimento alternativas. A média dessas novas previsões mostra um crescimento de apenas 5,3% no ano até o quarto trimestre de 2015.

Suponhamos que algo assim fosse verdadeiro. Segundo números oficiais, o investimento fixo bruto foi de 44% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2014. Os números referentes ao investimento têm maior probabilidade de serem corretos do que os do PIB. Mas fará sentido econômico uma economia investir 44% do PIB e, no entanto, crescer a apenas 5%? Não. Esses dados sugerem retornos marginais ultrabaixos, se não negativos. Se assim for, o investimento poderia cair drasticamente. Isso poderia não baixar o potencial de crescimento, se os investimentos perdulários fossem cortados primeiro. Porém isso causaria um colapso na demanda. Tudo o que as autoridades chinesas têm feito até agora sugere que estão preocupadas exatamente com isso.

Essa preocupação com uma demanda agregada deficiente não é nova. Isso tem sido uma grande preocupação desde a crise financeira do Ocidente, que devastou a demanda por exportações da China. É por isso que a China então embarcou em seu próprio boom de investimentos alimentado por crédito. Surpreendentemente (e preocupantemente), a participação do investimento no PIB cresceu ao mesmo tempo em que o crescimento do PIB potencial diminuiu. Essa não era uma combinação sustentável em prazo mais longo.

Isso agora deixa as autoridades chinesas com três enormes dores de cabeça econômicas. A primeira é limpar o legado de excessos financeiros passados, evitando simultaneamente uma crise financeira. A segunda é remodelar a economia, de modo que fique mais dependente de consumo privado e público, e menos dependente de níveis extraordinariamente elevados de investimento. A terceira é conseguir tudo isso, ao mesmo tempo em que promovem um crescimento dinâmico da demanda agregada.

Os acontecimentos recentes são relevantes porque sugerem que as autoridades chinesas ainda não descobriram uma maneira de equacionar essa tripla combinação. E o que é pior, os expedientes a que eles tentaram recorrer ao longo dos últimos sete anos tornaram a situação ainda pior. Talvez o Senhor Mercado tenha compreendido o grau de dificuldade disso e, portanto, quão desestabilizadoras realmente são algumas das opções que os chineses podem escolher. Entre elas estão desvalorização, juros ultrabaixos e até mesmo flexibilização quantitativa. Se assim for, a turbulência no mercado pode não ser insensata. O excesso de poupança global pode piorar. Isso afetaria todo mundo.

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