Facebook vira rei da propaganda eleitoral

Revertendo a tendência das eleições americanas anteriores, os gastos com propaganda eleitoral no Facebook Inc. podem superar os realizados no Google, controlado pelaAlphabet Inc., neste ano, segundo projeções do banco Citigroup Inc. Trata-se de um feito notável, considerando o poder que os anúncios publicados no site de busca ainda detêm como canal para motivar doadores e voluntários.

O dado também reflete o vasto alcance do Facebook e das ferramentas que a rede social oferece a anunciantes para selecionar segmentos cada vez mais específicos de usuários. Para campanhas eleitorais lutando para angariar apoio ou mudar a opinião de eleitores, a capacidade de definir milimetricamente os alvos dos anúncios é uma dádiva. Da mesma forma que na propaganda convencional, essa técnica está sendo utilizada na política com uma escala e precisão sem precedentes, como mostrou matéria do The Wall Street Journal, assinada por Christopher Mims, publicada no Valor de 4/10.

Até Donald Trump, candidato à presidência dos Estados Unidos pelo Partido Republicano, que já chamou de “exagerada” a utilidade dos dados como ferramenta eleitoral, agora parece ter se rendido a eles. Em agosto, a campanha de Trump espalhou anúncios no Facebook que conduziam a 100 mil páginas diferentes, cada uma dedicada a um segmento distinto e precisamente selecionado de eleitores, diz Brad Parscale, diretor digital da campanha de Trump e líder da firma de publicidade digital Giles-Parscale, sediada no Texas. A campanha de Hillary Clinton adotou táticas semelhantes, diz um membro da equipe da candidata do Partido Democrata.

No mundo ideal, as campanhas fariam pesquisas abrangendo cada eleitor no país e, então, conceberiam estratégias para convencer os indecisos e motivar os partidários a ir às urnas, diz o jornalista Sasha Issenberg, que já escreveu sobre a ciência de vencer disputas eleitorais. As campanhas ainda não conseguiram fazer isso, mas estão chegando perto.

A Cambridge Analytica LLC, uma firma de ciência de dados conhecida por elaborar perfis psicológicos dos eleitores, está atualmente trabalhando com a equipe de Trump. Alexander Tayler, diretor de dados da empresa, diz que ela tem um banco de dados de 220 milhões de habitantes adultos dos EUA, com 4 mil a 5 mil pontos de dados cada um. A Cambridge Analytica é capaz de conectar esse banco de dados com imensos volumes de outros dados — desde registros de eleitores até bancos de dados que mostram hábitos de compra das pessoas e se elas possuem armas, por exemplo — fornecidos por empresas como Experian PLC e Acxiom Corp., que atuam como corretores de dados de consumo.

O Facebook tornou ferramentas semelhantes acessíveis a qualquer um com um cartão de crédito. O papel da rede social em influenciar atitudes políticas tem sido bastante discutido, mas seu papel cada vez mais importante como veículo de propaganda eleitoral tem recebido uma atenção muito menor.

“Todo mundo pensou que 2008 seria a eleição do Facebook, mas eu diria que 2016 é a eleição do Facebook”, diz Zac Moffatt, cofundador da consultoria de política Targeted Victory e ex-diretor digital da campanha do republicano Mitt Romney, derrotado por Barack Obama nas eleições presidenciais de 2012. “O real valor do Facebook está no seu tamanho e escala […] É que você pode alcançar três em cada quatro americanos numa única plataforma.”

Várias iniciativas do Facebook para ajudar anunciantes a selecionar sua audiência com maior precisão são particularmente atraentes para companhas políticas. A ferramenta de “audiências customizadas” permite que anunciantes alcancem uma lista específica de usuários, como um grupo de partidários. O Facebook também possibilita que os anunciantes, incluindo campanhas eleitorais, acessem informações fornecidas por corretoras de dados, como fazem a Cambridge Analytica e outras firmas. Através do recurso de “audiências parecidas”, os usuários também podem alcançar pessoas com perfil semelhante ao das pertencentes a um grupo conhecido.

Analistas da Borrell Associates projetam gastos de cerca de US$ 1 bilhão com anúncios digitais no atual ciclo eleitoral dos EUA.

Esse montante ainda é uma fração dos US$ 4,4 bilhões que devem ser gastos com propaganda na televisão, segundo estimativa do grupo de mídia e análise de campanhas da Kantar, empresa de pesquisas de mercado sediada em Londres. O montante de gastos digitais, no entanto, é mais que o triplo do registrado em 2012.

Essas cifras e a capacidade dos candidatos de direcionar anúncios com mensagens diferentes para eleitores diferentes preocupam Cathy O’Neil, autora de “Weapons of Math Destruction” (Armas de Destruição Matemática, em tradução livre), um livro sobre os perigos de ceder o controle das decisões a opacos algoritmos.

A eficiência das campanhas está em “decidir que pedaço da informação vai para um dado eleitor no Facebook e no Google”, diz O’Neil. “Mas, nesse caso, o que é eficiente para as campanhas é ineficiente para a democracia.”

Os políticos e seus assessores, entretanto, estão indo em frente. “A sabedoria política convencional foi destruída pela ciência de dados”, diz Tayler, da Cambridge Analytica.

Anúncios precisamente direcionados são importantes, diz o mesmo membro da campanha de Hillary Clinton, alertando, porém, que a técnica não é capaz de substituir as mensagens do candidato e não tem tanto poder quanto conversar com amigos ou vizinhos.

Issenberg, o jornalista, diz que o valor do direcionamento de anúncios consiste em aumentar a eficiência dos gastos de campanha. Se Hillary tiver, por exemplo, US$ 100 milhões no seu orçamento de publicidade digital, um direcionamento eficiente dos anúncios poderia liberar US$ 10 milhões para serem gastos em outras coisas. Numa eleição apertada, pequenas vantagens como essa poderiam levar a alguns milhares de votos a mais em alguns Estados americanos com capacidade de mudar o curso da eleição.

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