Ao calibrar seu algoritmo para priorizar postagens de amigos e família no feed de notícias, a rede social Facebook fez a sua maior mudança em anos. A alteração, justificada pelo Facebook pelo interesse em aumentar a interação entre as pessoas, é apontada por especialistas como uma tentativa de combate ao fenômeno das notícias falsas (fake news). A nova diretriz, contudo, provocou um importante efeito colateral: vai reduzir o alcance de conteúdo distribuído pela imprensa no site a partir das próximas semanas. Na prática, os mais de 2 bilhões de usuários vão ler menos notícias na rede social.
O anúncio gerou forte reação de veículos de comunicação nos Estados Unidos. “O Facebook está redesenhando radicalmente seu negócio em resposta ao seu primeiro grande risco existencial (as notícias falsas)”, disse o editor executivo global da Vice Media, Derek Mead, no Twitter. “E a mídia é o efeito colateral.”
“Eu mal posso dizer como o Facebook está prejudicando nossa operação e a democracia repetidamente”, afirmou a editora chefe do jornal norte-americano San Francisco Chronicle, Audrey Cooper, em seu perfil também no Twitter.
Hoje, grande parte dos veículos de imprensa tem no Facebook um dos principais canais de distribuição das notícias publicadas em seus sites. Com a mudança promovida por Zuckerberg, captar a audiência presente na rede social deve ficar mais difícil – e mais caro.
“A mudança é um esforço legítimo e louvável do Facebook em reparar o dano causado pelas notícias falsas”, diz ao Estado o jornalista brasileiro Rosental Calmon Alves, diretor do Knight Center for Journalism in the Americas, da Universidade do Texas.”Mas é irônico que isso vá prejudicar o jornalismo, que é justamente o antídoto contra essa doença.”
Para Caio Túlio Costa, professor de comunicação digital da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e fundador da plataforma de monitoramento digital Torabit, o efeito das mudanças é perverso para empresas jornalísticas. “Ao mesmo tempo em que a mudança coíbe notícias falsas, ela pune as empresas que publicam notícias corretas.”
Ambos os especialistas, porém, consideram que só o tempo vai mostrar os efeitos práticos da medida. “Ainda não está claro se isso vai inibir as notícias falsas”, diz Costa, “porque sua disseminação está ligada ao comportamento dos usuários, não às notícias em si.”
Para Alves, os publishers terão de mudar para se adaptar à nova realidade. “O jornalismo que herdamos da era industrial é focado no consumo passivo”, diz ele. “Vamos ter de buscar estratégias para fazer um jornalismo mais interativo, que provoque essas interações entre usuários que o Facebook vai priorizar agora.”
Ainda não está claro se o Facebook vai conseguir mitigar as notícias falsas. Do lado da receita, porém, a perspectiva é mais clara. Ao reduzir o alcance das publicações de páginas, a rede social “obriga” seus administradores a investir mais dinheiro para impulsionar publicações.
Não à toa, muitos analistas de mercado mantiveram seus bons prognósticos sobre o desempenho da rede social nos próximos trimestres, apesar da queda de mais de 4,47% nas ações ontem.
“Vejo isso como a decisão certa para o Facebook em longo prazo”, afirmou Samuel Kemp, analista da consultoria Piper Jaffray, em comunicado. “Não vejo evidências de que essa mudança terá impactos na receita e, ao longo do tempo, isso pode tornar a experiência dos usuários mais prazerosa.”
Para Justin Post, analista do Bank of America Merrill Lynch, a mudança não deve reduzir a receita do Facebook, já que os anunciantes não poderão auferir a queda nas métricas de engajamento da rede social.”É preciso observar no balanço se o Facebook terá queda no número de usuários ativos por dia após a mudança”, afirma o analista, em nota enviada à imprensa.