A China quer uma nova ordem internacional com Pequim como país dominante, de forma que a União Europeia (UE) precisa ser mais firme na defesa de seus interesses econômicos e de segurança, o que inclui a possibilidade de aplicar controles generalizados sobre os investimentos estrangeiros, afirmou a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen.
Antes de sua viagem na próxima semana para a China ao lado do presidente da França, Emmanuel Macron, Von der Leyen, disse ontem que a UE precisa continuar trabalhando com Pequim, mas que é necessária uma estratégia para “reduzir riscos” em sua relação com a China e nas frentes em que é dependente do país.
Ela também atrelou o futuro dos laços da Europa com a China ao comportamento de Pequim em relação à guerra na Ucrânia e descartou, efetivamente, a entrada em vigor de um acordo de investimentos feito em 2020 entre UE e China.
Citando o apoio da China à Rússia na guerra da Ucrânia, seu plano de infraestrutura internacional Iniciativa do Cinturão e da Rota (BRI, na sigla em inglês) e a assertividade dos chineses em órgãos multilaterais, Von der Leyen disse que o “objetivo claro do Partido Comunista chinês é uma mudança sistêmica da ordem internacional, com a China em seu centro”.
“Uma [ordem] na qual os direitos individuais estão subordinados à soberania nacional. Na qual a segurança e a economia têm proeminência sobre os direitos políticos e civis”, disse em evento organizado por dois centros de estudo europeus, um dos quais, o Mercator Institute for China Studies, foi alvo de sanções de Pequim.
Os comentários de Von der Leyen chegam num momento crucial nas relações entre Europa e China, desgastadas por anos de disputas econômicas e, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, pelos laços de proximidade entre o presidente chinês, Xi Jinping, e o presidente russo, Vladimir Putin.
Também ontem, o embaixador da China na UE, Fu Cong, disse que a Europa deve rejeitar as exigências de Washington para restringir o comércio com Pequim, alertando que qualquer país que romper os laços comerciais com seu país estará fazendo isso “por sua própria conta a risco”.
Fu afirmou que os EUA “não pararão por nada” no esforço para interromper as relações normais entre o bloco e a China, acrescentando que “uma tendência protecionista” está crescendo na Europa.
“Quem em sã consciência abandonaria um mercado tão grande em próspero como a China?”, disse Fu ao “Financial Times”, alertando os políticos europeus para que eles não arruínem o sentimento de negócios positivo em relação à China. Fu destacou a Holanda por ter “cedido à pressão dos EUA” ao anunciar restrições às exportações para a China de sua tecnologia de ponta para a produção de semicondutores. Ele deu a entender que Pequim poderá retaliar dependendo da extensão dos controles.
“Esperamos que os governos e políticos europeus consigam ver onde estão seus interesses e então resistam à pressão injustificada dos EUA”, disse Fu, conclamando a UE a persistir em seu esforço por “autonomia estratégica”.
Diante das pressões antagônicas de Washington, para assumir uma linha mais dura em relação a Pequim, e da China, para não colocar em risco seus grandes interesses econômicos, a maioria dos países da UE está disposta a continuar a trabalhar com Pequim e a não se deixar arrastar diretamente para o confronto entre EUA e China.
O comércio entre UE e a China movimenta cerca de 1 bilhão por dia, e a China é o maior mercado importador da UE.
A próxima viagem de Macron e de Von der Leyen à China é uma entre as várias de importantes autoridades europeias para o país marcadas para as próximas semanas.
Segundo autoridades, entre os principais objetivos das viagens está estimular os líderes chineses a adotarem uma abordagem mais equilibrada para a guerra na Ucrânia e advertir que qualquer decisão de Pequim de apoio militar à Rússia na Ucrânia teria sérias consequências para os laços.
Von der Leyen foi bem clara nisso ontem. Ela disse que as relações da China com a Rússia ficaram mais próximas, apesar do que ela chamou de “invasão atroz e ilegal da Ucrânia” pelos russos, mesmo com Pequim emergindo como o parceiro dominante.
Referindo-se às declarações da China sobre um plano de paz, ela disse que qualquer proposta “que na prática consolide as anexações russas” do território ucraniano “simplesmente não é viável”. “A forma como a China continuar a interagir com a guerra de Putin será um fator determinante para as relações UE-China”, acrescentou.
A China continua a ser um parceiro comercial vital, segundo Von der Leyen. Ela advertiu, porém, que a relação econômica entre China e Europa está se tornando cada vez mais desequilibrada e que a “fusão explícita” pela China dos “setores militar e comercial” representa riscos para a segurança europeia.
Ela disse que o bloco também poderia aplicar melhor as ferramentas que já possui para proteger seus interesses econômicos.
Novas regras quanto aos subsídios concedidos por países de fora do bloco, definidas para entrar em vigor ainda neste ano, permitirão que a UE impeça empresas chinesas e de outros lugares de fazer certas aquisições ou de conquistar grandes contratos públicos, caso tenham se beneficiado anteriormente de apoio governamental que o bloco considere provocar distorções de mercado. A UE também está perto de chegar a um consenso quanto a novas regras que facilitam a retaliação contra países que tentam usar restrições comerciais ou de investimento como tática de coação.
Os países da UE precisarão trabalhar juntos “para um uso mais firme e rápido desses instrumentos quando eles forem necessários e uma abordagem mais assertiva na aplicação”, disse Von der Leyen.
O grupo lobista BusinessEurope destacou que quaisquer novas ferramentas que possam ter grande impacto nos fluxos comerciais ou de investimento entre a UE e a China, como controles sobre o investimento externo, devem ser avaliadas e discutidas com a indústria.
Outras medidas para reduzir os riscos econômicos da China devem incluir tentar reduzir a forte dependência do bloco em relação a Pequim para obter as matérias-primas essenciais necessárias para os setores de tecnologia limpa e digital da UE e tentar trabalhar mais com governos de mentalidade semelhante, disse Von der Leyen.
Ela também sinalizou que a Comissão Europeia não está mais pressionando para ressuscitar um pacto de investimento com a China, que, segundo autoridades europeias, abriria certos setores econômicos a empresas da UE.
A entrada em vigor do pacto, o Acordo Abrangente de Investimentos (CAI, na sigla em inglês), foi paralisada após a UE aplicar sanções sobre autoridades chinesas por abusos de direitos humanos e de Pequim impor contrassanções a parlamentares da UE.
De acordo com Von der Leyen é preciso “reconhecer que o mundo e a China mudaram nos últimos três anos — e que precisamos reavaliar o CAI à luz de nossa estratégia mais ampla para a China”.