O aumento de salário pelo qual os trabalhadores americanos esperaram durante anos está agora ocorrendo numa extensa área dos Estados Unidos. É o que mostra uma análise Estado por Estado feita pela Reuters, que sugere que a queda do desemprego finalmente começa a elevar os salários no país.
Esse ganho salarial, por sua vez, deve elevar a expectativa de que a inflação nos EUA subirá em breve.
A remuneração subiu mais de 3% em pelo menos metade dos Estados americanos no ano passado, um forte crescimento em relação aos anos anteriores. Os dados mostram ainda um salto em 2017 no número de Estados nos quais a taxa de desemprego atingiu nível mínimo recorde, dez anos depois de a crise financeira lançar a economia numa recessão histórica, como mostrou matéria da Reuters, assinada por Ann Saphir, Jonathan Spicer e Howard Schneider, publicada no Valor de 06/02.
Os dados, de âmbito estadual, podem sinalizar um ponto de inflexão abafado nas estatísticas nacionais.
Nos últimos quatro anos, a economia dos EUA criou 10 milhões de empregos, e a taxa de desemprego caiu ao menor nível desde 2000. Mesmo assim, os salários ficaram estagnados. Esse desligamento intrigou economistas do Federal Reserve (Fed, o BC americano), frustrou políticos preocupados com o aumento da desigualdade social e prejudicou o americano comum, apesar do benefício às empresas e da alta dos mercados de ações, em especial no primeiro ano de governo do presidente Donald Trump.
Trump diz que os cortes nos impostos e os recuos regulatórios estão melhorando o sentimento em relação aos negócios e, num discurso otimista ao Congresso, na semana passada, afirmou que os americanos “estão finalmente vendo um aumento dos salários” após “anos e anos” de estagnação.
De fato, os ganhos médios horários aumentaram 2,9% em janeiro, em relação ao mesmo período do ano passado, a maior alta em mais de oito anos e meio, mas ainda assim menos que os 3,5% a 4% que os economistas disseram que seriam sinal de uma economia saudável.
A análise da Reuters e entrevistas com empresas de todo o país, mostram aumentos salariais em setores que vão do industrial aos de tecnologia e varejo. Mas os executivos se dividem sobre o quanto disso é mérito de Trump, já que vários anos de aumento do emprego eliminaram quase seis pontos percentuais da taxa de desemprego desde o pico de 10%, atingido no auge da recessão de 2007-2009.
“Todo mundo aqui no prédio sabe que pode sair e ganhar mais dinheiro”, diz Michael Frazer, presidente da Frazer Computing, que fornece softwares para revendedores de carros usados dos EUA, de seus escritórios no norte do Estado de Nova York. Em resposta, ele aumentou os salários em 6,1% no fim de 2017, aumento que, no ano anterior, fora de 3,7%. Em Portland, Oregon, a empresa de softwares Zapprove agora está contratando recém-formados em programação e passa até três meses treinando-os, já que os desenvolvedores de softwares experientes que ela costumava empregar agora estão caros demais. Ainda assim, a CEO Monica Enand afirma que concede aos seus desenvolvedores dois aumentos por ano “para ter certeza de que continuaremos competitivos em termos de salário”.
A análise da Reuters sobre os dados mais recentes disponíveis constatou que, em metade dos 50 Estados americanos, o salário médio por hora aumentou mais de 3% no ano passado. Em 2016 esse número havia sido de 17 Estados; em 2015, de 12; e em 2014, apenas 3. A remuneração semanal média subiu em 30 Estados, também um aumento em relação a anos anteriores. As taxas de desemprego estão próximas, ou em patamares mínimos recordes, em 17 Estados, incluindo Nova York, em comparação a apenas 5 em 2016, segundo a análise da Reuters.
“O aumento dos salários tende a acelerar quando a taxa de desemprego cai muito”, diz Bart Hobijn, professor de economia da Universidade do Estado do Arizona.
Califórnia, Arkansas e Oregon estão entre os Estados que registraram ganhos salariais de mais de 3%, mostrando também queda no desemprego para patamares mínimos recordes. Esse aumento de renda para os trabalhadores americanos ocorre no momento em que o crescimento vigoroso da economia mundial eleva os salários em países como a Alemanha e o Japão.
William Dudley, presidente do Fed de Nova York, disse no mês passado que os ganhos mais firmes nos salários em Estados com taxas de desemprego mais baixas, deram a ele a confiança de que a inflação nos EUA, que há tempos permanecer muito baixa, aumentará em breve.
Na Califórnia, sede da rede Noah’s New York Bagels, mais da metade de suas 53 lojas agora está pagando aos novos contratados mais do que o salário mínimo, mais que o dobro do que ocorria em meados de 2017.
“É muito difícil encontrar pessoas suficientes” em regiões de baixo desemprego como a área da Baía de San Francisco, diz Tyler Ricks, presidente da Noah’s, que espera aumentar ainda mais os salários este ano, quando pretende abrir cinco novas lojas.
Alguns Estados, como Idaho, que tem uma taxa de desemprego muito baixa, continuam apresentando um aumento lento dos salários, enquanto outros, como Delaware, com forte crescimento dos salários, ainda contam com níveis de desemprego bem acima de seus patamares mínimos históricos
E a parcela do PIB que reverte para a mão-de-obra, como remuneração, subiu apenas um pouco nesta década, depois de no geral cair desde a década de 70, o que sugere que os trabalhadores ainda têm um longo caminho para recuperar o terreno perdido. Mesmo assim, os dados estaduais sinalizam para um primeiro passo.
A Galley Support, de Sherwood, Arkansas, que fabrica trincos para cozinhas e banheiros de aviões, concedeu aos seus funcionários não qualificados um aumento salarial de até 20% no ano passado. A executiva-chefe Gina Radke disse que isso vai enfraquecer os lucros, mas, como as políticas do governo Trump devem beneficiar fabricantes de aviões como a Boeing, “estamos confiantes de que teremos um aumento nas vendas para cobrir o aumento dos salários”, afirma ela.
Gerentes de fábrica da Gray, empresa que supervisiona a construção de empresas e outros projetos, com sede em Lexington, no Kentucky, também receberam um aumento de salário de 20% desde 2016. Mesmo assim, o salário de até US$ 20 mil por ano, mais bonificações, com frequência não basta para preencher todas as vagas abertas. “Há tanto trabalho por aí que está sendo muito difícil atrair as pessoas”, diz Susan Brewer, vice-presidente de recursos humanos da Gray.