Os Estados Unidos não estão brincando quando falam em abandonar um histórico acordo nuclear com a Rússia, mas discussões adicionais devem ocorrer antes de uma decisão oficial ser comunicada a Moscou. A informação foi dada ontem ao “The Wall Street Journal” pelo assessor de segurança nacional dos EUA, John Bolton.
O presidente Donald Trump anunciou a possível saída do acordo durante um comício em Nevada, no sábado. Ontem, ele repetiu que os EUA vão aumentar o seu arsenal nuclear, se necessário, usando uma linguagem incomumente, como mostrou artigo de Ann M. Simmons, publicado no Valor Econômico.
“Vamos aumentá-lo até eles caírem em si”, disse Trump. “Quando eles fizerem isso, então todos seremos espertos e vamos parar e, a propósito, não só parar como reduzir, o que eu adoraria fazer.”
Perguntado se estava ameaçando a Rússia, Trump respondeu: “É uma ameaça a quem quer que você queira”, acrescentando que “isso inclui a China, inclui a Rússia e todos que quiserem jogar esse jogo. Vocês não vão me enganar”.
Bolton, que há muito critica o Tratado das Forças Nucleares de Alcance Intermediário (conhecido como Tratado INF), disse que esteve ontem com Nikolai Patrushev, assessor de segurança da Rússia, “uma discussão extensa sobre o que o presidente disse”.
“Acho que, se você analisar a declaração do presidente em Nevada no sábado, verá que ele é muito forte, muito claro, muito direto em relação ao que os EUA vão fazer”, disse Bolton no domingo. Mas ele acrescentou que o governo americano vai “fazer muitas consultas a aliados na Europa e Ásia e certamente teremos mais discussões com a Rússia”.
Os EUA acusaram a Rússia de violar o tratado, que proíbe o uso de mísseis de alcance curto e intermediário, além de testar, produzir ou posicionar novos mísseis em terra. A Rússia está desenvolvendo um sistema de mísseis conhecido como 9M729, mas Moscou diz que está em total conformidade com o pacto.
“Conheço várias pessoas que especularam que isso é uma tática de barganha”, disse Bolton. “E eu discuti isso com o lado russo hoje. Como você faz eles voltarem a cumprir um tratado que eles afirmam que não estão violando? Não sei. Eles não acham que estão violando. Discordamos enfaticamente disso. Mas isso é uma indicação de que eles não pretendem mudar seu comportamento.”
Bolton disse que iria manifestar as declarações de Trump sobre a saída do INF em reuniões com autoridades russas, incluindo um jantar com o ministro das Relações Exteriores russo, Sergei Lavrov, ontem, e em discussões hoje com o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, e com o presidente Vladimir Putin.
Washington não fez um comunicado formal a Moscou sobre sua intenção de abandonar o acordo, cujas regras exigem da parte que resolver sair um comunicado com seis meses de antecedência. Bolton disse que o aviso exigido será feito no “momento oportuno”.
A visita de Bolton a Moscou se dá no momento em que autoridades russas intensificam a narrativa de que a retirada dos EUA do INF poderá provocar uma instabilidade global, uma corrida armamentista e ameaça causar até mesmo uma guerra nuclear.
Dmitry Peskov, porta-voz do Kremlin, disse a jornalistas que Moscou fará o mesmo se os EUA começarem a desenvolver novos mísseis após abandonar o INF. Seria uma questão de agir para restabelecer o equilíbrio de poder e assegurar a capacidade da Rússia de defender sua segurança nacional, afirmou o porta-voz russo.
China, Irã e Coreia do Norte não estão vinculados ao INF. Os EUA estimam que de um terço a metade da capacidade de mísseis balísticos da China violariam o pacto se Pequim fosse signatário dele, afirmou Bolton.
“Portanto, ter um acordo de controle de armas que nos limita numa base global, coloca muitos de nossos amigos e aliados ao redor do mundo e as forças americanas potencialmente posicionadas sob um risco considerável”, disse Bolton. “E eu acho que isso é algo com que a Rússia deveria ser preocupar, a partir de sua própria perspectiva, por fazer fronteira com a China.”
Alguns aliados dos EUA protestaram contra a decisão de Washington de abandonar o pacto INF. “Acreditamos que os EUA e a Rússia precisam continuar engajados num diálogo construtivo para preservar o tratado e assegurar sua implementação plena e verificável, o que é crucial para a segurança da Europa e do mundo”, afirmou ontem uma porta-voz da comissária de política externa da União Europeia, Federica Mogherini.
Bolton disse que os departamentos de Estado e Defesa dos EUA estarão “no centro e à frente” das consultas sobre a saída do país do INF, enquanto ele continuará conversando com seus colegas europeus e Trump com outros líderes mundiais.