EUA e China anunciam trégua tarifária

A trégua tarifária acertada entre os Estados Unidos e a China, na madrugada de ontem, foi recebida com alívio e deve dar uma injeção de ânimo aos mercados globais nesta segunda-feira. Os presidentes Donald Trump e Xi Jinping firmaram no sábado um acordo com duração de três meses que diminui hostilidades comerciais, justamente em meio a temores de uma escalada na disputa entre as duas maiores economias do mundo.
Além do impacto positivo sobre os mercados, a tendência é que a trégua desacelere o movimento de empresas do setor produtivo de alterarem cadeias de fornecimento. No médio e longo prazos, no entanto, as dificuldades a respeito de como reformar o sistema multilateral de comércio continuam.
Em troca, a China prometeu acelerar as compras de produtos americanos, em uma iniciativa que deve aumentar os preços da soja e de insumos de energia, como o gás natural.
Durante seu principal pronunciamento, Xi enfatizou o apoio ao multilateralismo e a demanda crescente da economia chinesa por importações. Ele não fez referências ao esforço de investimentos e melhoria da infraestrutura, que consumiram parte de seus discursos no G-20 nos dois últimos anos. Em comunicado, a Câmara Americana do Comércio da China afirmou que a trégua era “tão boa quanto poderíamos esperar”.
Governos de toda a Ásia estão cada vez mais preocupados com as consequências das possíveis medidas protecionistas para suas economias, ou temem que sejam forçados a se posicionar de um dos lados na disputa entre Pequim e Washington. Em uma reunião de cúpula de líderes da região Ásia-Pacífico no mês passado, muitos deles alertaram para os riscos relacionados ao aumento do protecionismo.
Trump recebeu o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, na Casa Branca, onde ambos anunciaram uma interrupção da escalada de tensões comerciais. “Mas o que aconteceu foi que cada um saiu dali e vendeu uma história diferente para o seu público interno”, diz, ao afirmar que ainda não foram vistos resultados concretos após a reunião.
Mas, além da trégua, os resultados finais da cúpula do G-20 deste ano foram, de forma geral, recebidos também com alívio tanto entre diplomatas brasileiros quanto entre os anfitriões.
“Conseguimos dialogar e chegar um consenso sobre assuntos complicados”, diz o ministro das Relações Exteriores da Argentina, Jorge Faurie, destacando a necessidade de reformar a Organização Mundial do Comércio (OMC), explícita no comunicado final do evento.
Para a Argentina, que vive grave crise fiscal e de balanço de pagamentos, o tom adotado no texto foi uma boa notícia. “Tudo isso favorece as economias emergentes, porque obviamente os mercados se tranquilizam” e exercem menos pressão sobre as moedas locais, diz o ministro.
Do lado brasileiro, a recepção foi menos entusiasmada. “O balanço geral é positivo, mas não sei se dá para falar em otimismo”, resume uma fonte do Itamaraty.
A avaliação é que as principais economias do mundo mandaram a mensagem de que o multilateralismo continua importante para a estabilidade e o crescimento global, ainda que seja um sistema que precise de reformas.
Profissionais envolvidos nas negociações temiam até mesmo que pudesse não haver comunicado final, tamanhas eram as divergências entre os países do G-20.
Ronaldo Costa Filho, do Itamaraty, minimiza a ausência de uma defesa mais enfática do multilateralismo no comunicado final do encontro, lembrando que o texto divulgado após a reunião do ano passado, na Alemanha, também não trazia essa defesa. O que conta como fator positivo é o apoio dado à própria OMC e ao Fundo Monetário Internacional (FMI), avalia o diplomata.
O desafio agora é encontrar maneiras de implantar as mudanças necessárias, começando pela reforma da OMC. “O que se pede nesse caso não é simples. Uma coisa é pedir, outra é fazer”, diz uma fonte do governo brasileiro.
As dificuldades devem começar justamente neste momento, quando serão iniciadas as discussões sobre a reforma da OMC. “O que será negociado, como isso será feito, qual o grau de convergência, é tudo uma página em branco”, afirma Costa Filho.
Mais uma vez, neste caso, os protagonistas são Estados Unidos e China. Representantes das duas maiores economias do mundo discordam, por exemplo, a respeito de questões como subsídios, propriedade intelectual e se o país asiático pode ser classificado formalmente como uma nação “em desenvolvimento” – o que tem desdobramentos práticos dentro da OMC.
Dada a dificuldade de promover uma reforma de um órgão desse porte, o diplomata sugere que, antes, sejam “plantadas sementes” que tornem o ambiente propício para discussões “quando os temas essenciais chegarem à mesa”. Um assunto que poderia ser enfrentado nesta fase inicial, de acordo com Costa Filho, são controvérsias ligadas aos critérios de nomeação dos juízes que compõem o Tribunal de Apelação da entidade.
Mas há quem esteja um pouco menos pessimista dentro do próprio Itamaraty. Para uma fonte dentro do ministério, a alternativa às mudanças no órgão não deixam opção.
“O contrário da reforma é a guerra comercial”, afirma. Para esse interlocutor, uma saída seria dar mais “flexibilidade” às negociações dentro da OMC, facilitando acordos entre grupos menores de países. “Tem que ser criativo”, diz.

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