Epidemia vira embate político entre EUA e China

A China parece cada vez mais isolada pela crise do coronavírus e abriu um embate político com os EUA, enquanto o número de mortos pelo surto continua a aumentar. O governo chinês acusou ontem os EUA de estarem causando pânico com as medidas restritivas que o país adotou. Hua Chunying, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores, disse que as ações de Washington “só criam e espalham o medo”, em vez de oferecer assistência aos chineses. 

Pequim destacou que os EUA foram o primeiro país a proibir a entrada de viajantes chineses e o primeiro a sugerir a retirada parcial de seu pessoal da embaixada. “São precisamente países desenvolvidos como os EUA, com forte capacidade de prevenção de epidemias, que assumiram a liderança na imposição de restrições excessivas, contrárias às recomendações da Organização Mundial da Saúde [OMS]”, disse a porta-voz. 

O Valor apurou que a escalada política continuou no conselho executivo da OMS, reunido esta semana em Genebra. A representante chinesa, sem citar os EUA, acusou países de reagirem à epidemia de forma desproporcional, desnecessária e criando ambiente de incertezas. Insistiu que a China tem capacidade de debelar a epidemia e reiterou que o presidente Xi Jinping está pessoalmente envolvido nisso. Para Pequim, as decisões dos países tem de se basear “em fatos e não em temores”. 

Já o representante dos EUA agradeceu ao povo chinês, ignorando o governo, e chamou os agentes de saúde de heróis. Destacou a necessidade de transparência, numa alusão a críticas de que a China demorou muito para repassar dados sobre o surto. Também justificou as medidas tomadas em Washington, alegando que visam proteger a saúde da população. 

Também no conselho executivo, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, voltou a conclamar os países a evitar medidas que interfiram desnecessariamente nas viagens e no comércio internacional, em razão da epidemia de coronavírus, que já matou 425 pessoas na China, além de uma nas Filipinas. O total de casos confirmados no mundo chegou ontem a 20.202, sendo 20.014 na China. 

A declaração da epidemia de coronavírus como emergência global de saúde tem também conotação política, segundo avaliações de diferentes fontes. Após a reunião de especialistas, que durou mais de cinco horas, decidir pela emergência, o diretor da OMS teve o cuidado de sublinhar que a China era um grande parceiro e adotava medidas corretas. 

Pequim ocupou espaço muito grande na cena diplomática multilateral, com o recuo dos EUA desde que Donald Trump assumiu. O país é um grande doador de recursos para programas na área de saúde. Além disso, todo o mundo tem interesses na China – compra ou vende muito para a segunda maior economia do mundo. 

Nesse cenário, há cuidado para não melindrar Pequim. O diretor-geral da OMS curva-se em declarações, dizendo-se “impressionado” na sua reunião com Xi Jinping “pelo conhecimento detalhado do surto e por sua liderança pessoal”. 

Para Ghebreyesus, “se não fosse pelos esforços da China, o número de casos fora da China teria sido muito maior”. “E ainda pode ser, mas agora temos a oportunidade de trabalhar agressivamente para impedir que isso aconteça.” 

Ele considera que a suspensão de voos para a China por várias companhias aéreas, por exemplo, tinha mais a ver com questões comerciais do que sanitárias, observando que os voos estavam saindo com assentos vazios. 

De outro lado, a avaliação de certos observadores é que os EUA aproveitam para expor a vulnerabilidade chinesa. A decisão americana de banir a entrada de pessoas que visitaram a China nos últimos dias deixou o governo chinês muito irritado. 

Os chineses não têm facilitado muito a logística de países para retirar seus cidadãos de Wuhan, o epicentro da epidemia. Uma autoridade britânica, que atuou na retirada de cidadãos do país, mencionou “obstáculos” colocados por Pequim. Portugal e Austrália também tiveram dificuldades para retirar seus cidadãos. 

Enquanto isso, a xenofobia cresce contra a China no exterior. O jornal “The New York Times” relata que, no Japão, a hashtag #ChineseDon’tComeToJapan está em alta no Twitter. Em Cingapura, milhares de moradores assinaram uma petição pedindo que o governo proibisse a entrada de cidadãos chineses no país. Em Hong Kong, Coreia do Sul e Vietnã, empresas publicaram anúncios dizendo que os clientes chineses do continente não são bem-vindos. Na França, um jornal regional publicou manchete sobre um “alerta amarelo”. 

Empresas como Apple, Starbucks e Ikea fecharam temporariamente suas lojas na China. Shopping centers estão desertos. Fábricas de carros da General Motors e Toyota atrasaram a produção, com a folga dos trabalhadores do Ano Novo chinês tendo sido estendido. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/02/04/epidemia-vira-embate-politico-entre-eua-e-china.ghtml

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