Eleições podem tanto unir como desunir um país. Com a chegada do dia da eleição presidencial nos Estados Unidos, há uma constatação dolorosa e óbvia de que a campanha de 2016 caiu na última categoria.
Pior ainda, existem vários motivos para acreditar que as eleições abriram feridas que não serão fáceis de cicatrizar antes que os políticos que conseguirem sobreviver comecem realmente a governar o país. Os EUA já tinham passado por uma eleição em que os líderes de um partido estão falando em pedir o impeachment do novo presidente do outro partido antes mesmo de a votação ocorrer?
Mas talvez não precise ser tão sombrio quanto parece. Talvez haja alguns raios de luz escondidos sob as nuvens negras que pairam nas eleições deste ano. Há algumas possibilidades mais otimistas, como mostrou material don The Wall Street Journal, assinada por Gerald F. Seib, publicada no Valor de 8/11.
Talvez o debate grosseiro e vulgar de 2016 choque a todos e traga de volta um discurso mais civilizado neste país. Talvez, abalando a parte central dos dois partidos, a campanha deste ano acabe com a tendência corrosiva de complacência e arrogância entre as elites.
Talvez, por trazer um Donald Trump que foi longe simplesmente por declarar que sabia como fazer algo, esta campanha faça com que os dois partidos descubram, em algum momento, que o obstrucionismo puro realmente tem um preço político. Talvez, trazendo um Bernie Sanders, que tocou uma flauta mágica para um exército de jovens seguidores, as eleições deste ano mostrem que os “millenials” – as pessoas nascidas depois da década de 80 – podem se interessar por política, mas não necessariamente pela política do “status quo”.
Talvez todo mundo dê um passo para trás, respire fundo e diga: Não vamos fazer dessa forma novamente. Talvez os partidos reflitam a maneira que escolhem os nomes dos seus candidatos para presidente e o Congresso reformule o modo como faz – ou deixa de fazer – negócios. Talvez o sistema político tenha atingido o fundo do poço e agora possa se refazer.
As chances de que qualquer uma dessas coisas aconteça depende muito do tipo de liderança que os recém-eleitos nos EUA – na Casa Branca e no Congresso – vão mostrar depois que a votação se encerrar hoje. Mas as chances também dependem do povo americano convocar o espírito de unidade e comunidade que tem unido o país em tempos crise grave.
Neste exato momento, é difícil ver esse espírito. As conversas sobre escolher entre Trump e Hillary, seja em torno de mesas de jantar ou em grandes fóruns em hotéis, estão tensas e raivosas, às vezes chegando ao ponto de gritaria.
Há tempos o país apresenta uma divisão política, obviamente, separando republicanos e democratas, conservadores de liberais.
Mas as divisões que apareceram em 2016, pelo contrário, não apresentam “precedentes”, diz Bill McInturff, pesquisador republicano e um dos coordenadores da pesquisa realizada para o “Wall Street Journal”/NBC News. As rupturas deste ano foram de natureza mais fundamental, quase primitiva, ocorrendo ao longo das linhas mais básicas da sociedade: gênero, raça e educação. Um olhar detalhado na pesquisa pré-eleitoral do “WSJ”/NBC, concluída neste fim de semana, ilumina essas linhas.
Mais notavelmente, uma nova lacuna educacional foi aberta. Quando foi apresentada aos eleitores a opção dos dois principais candidatos, Hillary apareceu na liderança com 51% das intenções de voto entre os brancos com diplomas universitários ante os 41% de Trump. Ele liderou entre brancos sem ensino superior com uma proporção de 2 para 1.
Ele conseguiu o apoio de 3 em cada 5 americanos moradores de áreas rurais, enquanto ela conquistou 3 em cada 5 habitantes de zonas urbanas. E as divisões mais tradicionais são agora como abismos escancarados. Ela liderou entre os eleitores não brancos por uma margem de 75% a 15%.
Além disso, esta foi uma eleição em que os eleitores de Trump e de Clinton não discordaram apenas sobre quem escolher. Muitos eleitores de um candidato sequer podem imaginar como os cidadãos poderiam escolher o outro.
Talvez o mais alarmante seja que 90% dos eleitores de Hillary disseram na pesquisa que não se sentiriam confortáveis em apoiar Trump como presidente, enquanto pouco mais de 90% dos eleitores de Trump expressaram os mesmos sentimentos em relação a Hillary como presidente. Mais de 50% dos eleitores de Trump e Hillary disseram que o país permaneceria dividido após as eleições.
As eleições deste ano têm sido um longo caminho. Hillary anunciou sua candidatura há quase 18 meses; Trump, há quase 16 meses. Talvez tenham sido apenas os duros sentimentos em relação a esses dois candidatos que criaram grande parte da tensão que rodeia a escolha de hoje.
Em todo caso, se o resultado tiver sido uma oportunidade para os eleitores desabafarem com relação à política dominante e para Washington aprender a ouvir melhor o país, não terá sido em vão. Haverá motivos para esperança.