As tensões comerciais entre os EUA e a China deverão se estender gradualmente a conflitos tecnológicos e financeiros, avaliam reputados economistas chineses, aparentando tranquilidade sobre a capacidade de reação de Pequim.
No recente Fórum de Xangai, evento que reúne anualmente quase mil membros da academia, política e negócios de várias partes do mundo, um dos debates mais esperados foi sobre o confronto entre o maior exportador e o maior importador do mundo, os dois motores da economia global, como mostrou matéria assinada por Assis Morreira no Valor de 4/06.
O último debate ocorreu na Universidade Fudan, uma das cinco mais reputadas da China. Uma estátua gigante de Mao Tsé Tung, fundador da República Popular da China, domina o campus.
Para muitos participantes, o presidente Donald Trump mantém postura agressiva em razão da eleição de novembro, que servirá de avaliação de seus primeiros dois anos na Casa Branca. Com ironia, o professor Sun Lujian, da Universidade Fudan, sugeriu que não se deve ser pessimista sobre as relações com o governo Trump porque “ele só ficará na Presidência dos EUA por no máximo oito anos”.
Economistas das principais universidades chinesas consideram que o governo de Trump carece de credibilidade, tem “comportamento inapropriado” e faz mudanças de orientação com frequência exagerada. Mas que o confronto entre China e EUA é resultado de pressões
estruturais, e não só do estilo do presidente.
A avaliação é que os EUA estão “incomodados” e não sabem ainda como se ajustar à ascensão chinesa na cena economia internacional.
“Os EUA não estão habituados, mas vão continuar a ser superados pela China em vários setores”, diz Shen Jianguang, economista-chefe da Mizuho Securities Asia, estimando que a China vai passar os EUA como maior mercado de varejo do mundo em valor. “A economia dos EUA se recupera, mas o fosso entre ricos e pobres nunca foi tão grande como agora, e muitos americanos acham que a China é uma ameaça em razão da virada ocorrida nos últimos 10 anos”.
lu Yi, da Universidade Tsinghua, aponta “coincidência” entre a penetração rápida dos produtos chineses nos EUA e o declínio dos empregos e salários na economia americana. E diz que a enxurrada de sobretaxas antidumping impostas pelos EUA contra produtos chineses, por alegação de preços supostamente desleais, serviu como um filtro: “Somente empresas competitivas na China sobreviveram, enquanto as fragilizadas companhias nos EUA continuaram protegidas e no mercado”.
Para Huang Yiping, professor da Universidade de Pequim e membro do comitê de política monetária do Banco do Povo (o BC chinês), o conflito com os EUA será duradouro, até porque é muito difícil reduzir o deficit comercial que os EUA estimam em US$ 375 bilhões.
Sheng Liiugang, professor do programa de comércio e desenvolvimento na Universidade Chinesa de Hong Kong, conclui que os EUA poderão ser o maior perdedor numa guerra tarifária com a China. Ele argumenta que o grande deficit deficit comercial dos EUA com a China indica mais gastos do que renda do lado americano. E reequilibrar a balança comercial implica que o país deve reduzir seus gastos e assim o consumo.
Para Yu Miaojie, da Universidade de Pequim, os EUA “não querem mais livre comércio, e sim comércio recíproco; a União Europeia quer mais do que livre comércio, incluindo fortes questões nas areas de meio ambiente, trabalho etc; e que a China vai se ajustar”. Mas estima que a tentativa americana de fazer Pequim alterar sua política industrial “Made in China 2025”, que visa tornar o país uma potência em áreas como inteligência artificial e veículos elétricos, não tem como ser atendida.
Ju Jiandong, diretor do Centro de Pesquisa de Economia Internacional, da Universidade Tsinghua, acrescenta que a atual grande missão de Pequim é o rápido desenvolvimento de sua indústria de alta tecnologia e a reforma do sistema de governança global. “Ao superar o atrito comercial, o futuro do desenvolvimento comercial da China permanece brilhante”, diz.
Wanq Zequn, vice-diretor do comitê de investimento estrangeiro da Associação Chinesa de Investimentos, minimizou a disputa tarifária e previu conflitos tecnológicos com os EUA, “assim como também financeiros”. Indagado pelo Valor sobre conflito financeiro, ele retrucou que não falava inglês.
Já Bai Ming, vice-diretor de Instituto de Pesquisa do Mercado Internacional, do Ministério do Comércio chinês, sugeriu no jornal “Globo Times” que, se Pequim vender US$ 200 bilhões de títulos do Tesouro dos EUA, isso definitivamente colocaria forte pressão sobre o mercado financeiro americano.
Para Miaojie Pequim pode ter mais aliados no conflito comercial com os EUA, pois a maioria dos países se sente incomodado com a postura americana. Jacques Pelkmans, do Centro de Estudos Políticos Europeus, de Bruxelas, sugeriu que China e UE, principais parceiros de um grande número de países médios e pequenos, precisam estabelecer alianças formais para tomar a liderança e salvar o sistema comercial global, de regras comuns e contra o unilateralismo.
A voz dissonante sobre a China veio de Akihiko Tamura, ex-negociador comercial japonês e agora professor no National Graduate Institute for Policy Studies, em Tóquio. Ele disse que não tinha simpatia pela postura de Trump, mas que era preciso se reconhecer um problema chinês, citando a política de transferência de tecnologia exigida do investidor externo e o excesso de capacidade da indústria turbinada por subsídios. “Dado o tamanho da economia chinesa, isso tem um impacto grande”, disse. “As regras da OMC são fracas para limitar o capitalismo de Estado chinês. É preciso rever isso.”
Até então, cada fala era seguida de aplausos. Com Tamura houve quase silêncio na sala, não fossem os aplausos de três jovens.