A política pública tem de ser mundial, com o envolvimento de todas as maiores economias climática oscila entre o desprezo de Donald Trump e o radicalismo de Greta Thunberg. O presidente dos Estados Unidos acaba de tirar seu país, o segundo maior emissor de gases-estufa do mundo, do Acordo de Paris do clima. Thunberg exige um corte superior a 50% das emissões líquidas mundiais até 2030. O primeiro é, obviamente, irresponsável. Mas a última parece implausível.
A irritação dos ativistas climáticos radicais é compreensível. Apesar de décadas de conversações, as emissões de gases-estufa e as temperaturas mundiais continuam a aumentar. Se essa tendência não mudar em breve, a probabilidade de evitar um aumento das temperaturas médias mundiais de mais de 1,5° C acima dos níveis pré-industriais será de zero e a de evitar um aumento de 2°C será insignificante.
Como observa o Fundo Monetário Internacional em seu último relatório Monitor Fiscal, alcançar esta última meta exige reduzir as emissões de gases-estufa em um terço abaixo do valor de referência, até 2030. Para permanecer inferiores a um aumento de 1,5°C, as emissões têm de totalizar metade do valor de referência.
Quanto maior a demora em agir, maior se tornará a ação necessária, até o momento em que nada poderá ser feito por ser tarde demais. Já é quase tarde demais para evitar o que os especialistas encaram como mudanças destrutivas e irreversíveis do clima. Por isso, são necessárias políticas drásticas. Apesar de drásticas, elas são viáveis, argumenta a Comissão de Transições Energéticas – órgão multissetorial que empresas e organizações da sociedade civil de países desenvolvidos e em desenvolvimento -, se forem implementadas com determinação nas próximas três décadas.
Infelizmente, a oposição frontal de pessoas como Trump, e a indiferença de boa parte da população, não são os únicos obstáculos ao sucesso. Mesmo algumas pessoas favoráveis à ação são um problema, porque a causa climática é, para elas, parte de uma campanha mais ampla contra o mercado.
Assim, muitos defensores do New Deal Verde encaram o clima como justificativa para a economia planificada. Como argumenta o jornalista britânico Paul Mason: “Os trabalhistas querem combater a mudança climática por meio de três mecanismos: gastos estatais, créditos estatais e comando estatal do sistema financeiro privado”. Esse enfoque permite que os opositores argumentem que a esquerda está mais preocupada em destruir as economias de mercado do que em salvar o planeta. A confusão criada pela tentativa de planificar uma economia para emissões líquidas zero em uma década pode condenar todas as tentativas de mitigação ao descrédito.
De qualquer maneira, a mudança climática não será solucionada por um país. A política pública tem de ser eficaz, legítima e mundial.
Para ser eficaz, a política pública tem de associar planificação, regulamentação, pesquisa e incentivos. Há forte justificativa para os atos do governo na pesquisa, no planejamento especial e no campo das finanças. Mas há também necessidade de adotar incentivos para mudar o comportamento. A autoridade e o controle raramente apresentam esse grau de eficácia.
O FMI sugere que US$ 75 por tonelada de carbono poderá ser o preço, em 2030, compatível com a manutenção do aumento da temperatura abaixo de 2°C. Atualmente, embora haja uma série de providências no sentido de fixar preços, os próprios preços são, na maioria, baixos demais e variáveis demais ao longo do tempo e de país para país para serem proveitosos. Mas, em princípio, um imposto sobre o carbono, ou um sistema de transações de emissões com um piso de preços, é a maneira mais eficaz (por ser a mais abrangente) de influenciar as emissões.
Programas que geram receita fiscal devem também ser atraentes para os políticos, porque o dinheiro poderá ser usado para outras finalidades valiosas. Taxar um “mal” (uma forma de poluição, neste caso) sempre oferece uma oportunidade de melhorar a taxação ou de elevar os gastos relevantes.
Uma ideia importante defendida pelo relatório do FMI é a de que países ricos como China e Índia poderão ser especialmente beneficiados com a redução da poluição ambiental regional, devido aos benefícios da redução do uso do carvão. Também é vital que esses países vejam, de fato, benefícios desse tipo como decorrência do uso dos impostos sobre o carbono, pois eles terão de desempenhar um grande papel na implementação das necessárias reduções das emissões mundiais (em relação ao valor de referência). É também nesses países que uma enorme parte do investimento necessário em novos sistemas energéticos tem de ser feita. Em vista disso, os incentivos são de grande importância.
Para legitimar a política pública, é essencial indenizar os perdedores. Não é verdade que os pobres sejam sempre os mais negativamente afetados pela alta dos preços da energia. Mas os protestos do restante da população são de grande importância também. A indenização pela alta dos preços dos combustíveis tem de ser visível. E, com o mesmo grau de importância, uma visão convincente de um futuro melhor tem de ser oferecida. Do contrário, as mudanças necessárias na política pública nunca serão aceitas.
Finalmente, a política pública tem de ser mundial, com o envolvimento de todas as maiores economias. Isso cria enormes problemas de justiça. Nunca alcançaremos uma solução perfeita, sem dúvida. Mas alguma solução terá de ser encontrada, com a ajuda generosa dos países de alta renda aos países emergentes e em desenvolvimento, principalmente com a introdução de novas tecnologias. Isso também levanta uma pergunta relevante: o que deve ser feito com os que se beneficiam sem arcar com os custos e, sobretudo, com o maior beneficiário isento de custos de todos, os aberrantes EUA? A resposta, em princípio, é clara: essa atitude terá de ser punida bem severamente. Se aceitarmos, como devemos, a premência do desafio, essa é uma decorrência bastante natural.
O que, então, deve ser feito?
Entre as respostas estão um programa de ação que abrange três décadas, a partir de hoje; o uso pragmático de todas as ferramentas de política pública, inclusive incentivos de mercado; a utilização da receita captada da fixação de preços sobre o carbono para indenizar os perdedores e tornar o sistema de impostos e a mitigação climática mais eficientes; a enfatização dos benefícios ambientais locais da eliminação do uso dos combustíveis fósseis; e, sobretudo, o compromisso com o clima enquanto um desafio mundial compartilhado. Numa era de populismo e nacionalismo, será que há alguma possibilidade de implementar tudo isso? Ela não é óbvia, infelizmente. Se for assim, teremos de fato fracassado. Mas os jovens estão, sem dúvida, certos em esperar coisa melhor.
Martin Wolf é editor e principal analista econômico do Financial Times.
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/e-possivel-avancar-na-questao-do-clima.ghtml