Para o resto mundo, o Partido Comunista da China enfrenta um de seus períodos de maior turbulência política e econômica em décadas, diante de uma guerra comercial em expansão – que prejudica a economia chinesa, já em desaceleração – e diante da escalada dos protestos em Hong Kong.
Mas, internamente, os líderes da China se preparam para o 70o aniversário da fundação da República Popular, em outubro, e há poucos indícios de que o presidente Xi Jinping esteja acuado politicamente.
Acredita-se em Pequim que o foco do presidente dos EUA, Donald Trump, na guerra comercial e os esforços do governo chinês para usar Washington como bode expiatório para os distúrbios em Hong Kong dão a Xi cobertura política conveniente no curto prazo.
Nesta mesma época no ano passado, enquanto Xi e outros líderes chineses mantinham discussões sigilosas no balneário de Beidaihe, havia nos círculos oficiais uma onda incomum de críticas à política econômica e à maneira como o governo vinha lidando com a guerra comercial com os EUA.
A mesma reunião anual, no balneário chinês, acabou na semana passada em meio a duas crises, mas sem vozes discordantes.
“Nos primeiros meses, houve algumas críticas ao governo por não se abrir tão rapidamente”, disse um assessor do governo chinês. Ele se referia às raras divergências internas durante os primeiros tiros da guerra comercial em curso. “Mas neste momento o consenso é de que os EUA estão tentando conter a China, não importa o que façamos”, afirmou esse assessor.
A fonte, que acompanha de perto as negociações comerciais entre EUA e China, disse que a ameaça feita por Trump, em agosto, de impor tarifas de 10% sobre importações chinesas no valor de US$ 300 bilhões era a prova para muitos na China de que ele não era sincero ao dizer que queria um acordo.
Na semana passada, Trump adiou o prazo para a aplicação de novas tarifas sobre celulares, laptops e outros bens de consumo, na esperança de amenizar seu impacto na temporada de compras natalinas dos EUA. Mas neste mês ele também acusou a China de manipular o câmbio, apesar da avaliação do FMI de que o valor do yuan estava em boa parte alinhado com os fundamentos econômicos.
“Muitas pessoas vão achar que é inútil negociar com Trump”, disse o assessor. Essa mensagem se encaixa com as políticas nacionalistas que Xi tem impulsionado desde que chegou ao poder, em 2012, e que reverbera na mídia estatal.
“A guerra comercial dos EUA reduziu muito as opiniões pró-EUA dentro da China, o que tornou a tarefa de unir a sociedade chinesa mais fácil para o Partido Comunista”, escreveu o editor-chefe do jornal estatal “Global Times”, Hu Xijin. A forma como Trump vem lidando com a nova rodada de tarifas, de 10%, pode dar impulso a Xi. Ele pode olhar ao redor da sala e dizer: ‘Vejam, não podemos negociar com essas pessoas.’
Jude Blanchette, do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais em Washington, disse que, embora Xi esteja enfrentando um ambiente externo difícil, especialmente com relação aos protestos em Hong Kong, internamente ele não se encontra enfraquecido.
“Xi está com sorte, pois tem um presidente dos EUA intempestivo, que é a prova para o argumento de que as relações entre EUA e China mudaram para uma direção terrível porque há um líder americano imprevisível”, disse Blanchette.
Na China continental, em meio à censura à internet, há pouca solidariedade popular visível com os manifestantes de Hong Kong, que a mídia estatal cada vez mais vociferante condena como “radicais violentos”. A China também tem retratado Washington como a “Mão Negra” que vem fomentando meses de demonstrações violentas na ex-colônia britânica.
Ainda assim, a imprevisibilidade de Trump com relação ao comércio criou uma grande dor de cabeça para os dirigentes chineses, enquanto as tarifas maiores dos EUA têm prejudicado a segunda maior economia do mundo.
Xi tem poucas opções boas para lidar com a guerra comercial – vista em Pequim como iniciativa para sufocar o desenvolvimento da China – e com os protestos de Hong Kong, o choque mais imediato para a estabilidade política do país no curto prazo.
Os anos gastos na consolidação de seu poder entre a elite governante da China – incluindo a remoção do limite de seu mandato – significam que os analistas não creem que tais crises ponham sua liderança em risco.
Segundo Blanchette, mesmo que Xi esteja completamente seguro como secretário-geral do PC, ainda assim encontrará dificuldades para avançar em suas políticas porque tem “uma coalizão dispersa ou insatisfeita”. “É precisamente por isso que você garante alianças nas Forças Armadas e nos serviços de segurança, e no birô central da guarda e no birô político, para reforçar sua liderança em momentos problemáticos.”
Analistas chineses e estrangeiros concordam que o entrave à capacidade do governo de se adaptar e de implementar reformas necessárias por causa dos controles políticos mais estritos sob Xi representa um sério risco no longo prazo, que pode prejudicar a economia.
“As reformas não estão avançando e nem regredindo. O problema para a economia não será grande neste ano. Precisamos observar o ano que vem, que será problemático”, disse um segundo assessor do governo chinês. Outro funcionário governamental disse que os dirigentes estavam “nervosos” com a situação e acrescentou que os “controles são muito fortes”.
Uma prova desses controles: funcionários públicos em agências do governo, na mídia estatal, na academia e em empresas estatais, incluindo executivos, relataram um aumento das sessões de estudo da ideologia do partido nos últimos meses.
Vários funcionários do Ministério das Relações Exteriores disseram que diplomatas estavam sendo chamados de volta nos feriados para participar nas sessões, e um funcionário do Banco do Povo da China (o banco central chinês), falou sobre as horas extras para terminar artigos sobre o pensamento político epônimo de Xi.
O mesmo assessor que disse que as críticas iniciais sobre a reação de Xi ao conflito comercial tinham abrandado também alertou para o fato de que, mesmo assim, os dirigentes chineses estavam paralisados ou passavam sinais políticos conflitantes.
O governo precisa tomar alguma medida, mas agora não temos o espaço para isso”, disse ele. “Eles não têm o apetite para agir. Tantas restrições. Tantos riscos. Então, só resta esperar.” (Colaborou Keith Zhai, de Cingapura).
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