Deflação é agora um risco maior que a hiperinflação

Apesar de os BC estarem inundando os mercados com dinheiro e de a oferta de bens ter caído, combinação que costuma gerar inflação, a queda na demanda tem sido maior na maioria dos setores, o que pressiona os preços para baixo.

Pergunte a economistas sobre as causas da inflação e “dinheiro demais para produtos de menos” é uma resposta que estará no topo da lista. O coronavírus parece ter garantido as duas partes desse coquetel: os bancos centrais estão imprimindo dinheiro, em parte para financiar os gastos extras dos governos, enquanto a produção de tudo, de automóveis a armários de cozinha, foi abalada. Desse modo, o temor de inflação é compreensível, mas equivocado: a economia global deve temer mais a deflação. 

O colapso dos preços do petróleo a níveis sem precedentes, com valores brevemente negativos nos EUA na semana passada, mostra por que a deflação é uma preocupação maior. A demanda por novos bens caiu ainda mais do que a queda na oferta, pressionando os preços para baixo. Isso é mais visível nos mercados internacionais de commodities. Mas, de modo menos perceptível, os preços – onde eles existem – de passagens aéreas a roupas e imóveis, também encolheram. Os preços dos alimentos, onde a demanda cresceu apesar das interrupções na oferta, são uma exceção notável. 

O petróleo é um insumo importante para a economia mundial, e o colapso de seu preço reduzirá os custos para empresas do mundo todo. Mas a mão de obra é o mais importante, e os confinamentos criaram um grande estoque de trabalhadores desempregados. Em alguns setores, os empregos poderão voltar rapidamente, com o retorno dos clientes, mas em outros, reestruturações e demissões serão necessárias para fazer frente ao aumento da dívida. É improvável que haja aumentos de salário que pressionem os preços no curto prazo. 

É verdade que os bancos centrais, por meio de seus programas de compra de ativos, ampliaram a “base monetária” da economia, inundando os bancos com ainda mais dinheiro. Eles se tornaram grandes donos de dívidas soberanas. Neste mês o governo britânico tornou-se o primeiro a usar sua dívida no BC para financiar os gastos, em vez de vender novos títulos. 

A conexão entre base monetária e a oferta total de dinheiro, porém, não é linear. Assim como o afrouxamento quantitativo não gerou uma onda de hiperinflação após a crise financeira de 2008, essa nova impressão monetária eletrônica provavelmente também não fará isso desta vez. O colapso dos gastos dos consumidores e das empresas produz uma força contrária, ao reduzir a demanda por crédito bancário, que representa a maior parte da oferta de dinheiro. 

Mais preocupações de longo prazo com a inflação vêm da forma como os governos administrarão a elevada dívida pública decorrente desta crise. Uma estimativa sugere que os níveis de endividamento dos países do G7 subirão a 140% do PIB, um recorde histórico. Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), escreveu na semana passada que, embora a deflação seja mais provável, ele não pode deixar de “considerar completamente uma pequena probabilidade de inflação alta”. Ele teme a possibilidade de ocorrer uma explosão inflacionária enquanto os bancos centrais tentam manter os juros baixos para aliviar o fardo sobre os orçamentos dos governos – o que é conhecido como dominância fiscal. 

Tal combinação é improvável, mas não pode ser descartada. O quebra-cabeça macroeconômico será gerenciar essas dívidas sem sufocar o crescimento ou desencadear inflação. Para muitos países, o método mais apropriado será a reestruturação das dívidas; para outros serão outras formas de repressão fiscal. Os controles de capitais poderão retornar, especialmente nos mercados emergentes onde grandes entradas de capitais têm sido desestabilizadoras. 

A deflação tornaria ainda mais difícil gerenciar as elevadas cargas de dívidas corporativas e governamentais, uma vez que os pagamentos de juros permaneceriam fixos, mas salários, preços e pagamentos de impostos cairiam em termos nominais. 

Tudo isso sugere que os investidores deverão se preparar para outro período longo de rendimentos miseráveis sobre as dívidas soberanas – muito provavelmente abaixo da inflação.

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/04/28/deflacao-e-agora-um-risco-maior-que-a-hiperinflacao.ghtml

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