Pela segunda vez em quatro meses, o norte-coreano Kim Jong-un ousou humilhar o presidente da China, Xi Jinping – o líder estrangeiro com poder para estrangular a economia da Coreia do Norte com efeitos potencialmente fatais para o regime.
Kim não apenas conduziu um teste nuclear ontem sabendo que isso iria enfurecer Pequim, como fez isso enquanto Xi se preparava para receber os chefes de Estado do Brasil, Rússia, Índia e África do Sul na cidade costeira de Xiamen.
A explosão da bomba desencadeou um terremoto de intensidade 6,3, que foi sentido em Yanbian, uma área na província chinesa de Jilin, próximo à fronteira com a Coreia do Norte, como mostrou matéria do Financial Times, assinada por Tom Mitchell, publicada no Valor Econômico de 04/09.
O teste de ontem ocorreu menos de uma semana depois que o regime de Kim lançou um míssil sobre o Japão – um insulto calculado contra Tóquio e seu aliado, os EUA. O presidente Donald Trump sugeriu que o teste nuclear da Coreia do Norte era uma afronta principalmente para a China, cujo território foi literalmente sacudido pelas ondas de choque da explosão.
“A Coreia do Norte é uma nação vil que se tornou uma grande ameaça e constrangimento para a China, que está tentando ajudar, mas com pouco sucesso”, tuitou Trump.
Não está claro se mesmo um insulto desses na véspera de um evento importante na China irá convencer Xi a usar a medida mais forte que ainda tem disponível: bloquear o fornecimento de petróleo ao regime norte-coreano.
Assim como a recente ameaça de Trump de lançar “fogo e fúria” sobre Pyongyang é vista como sendo vazia – considerando a potencial devastação de um contra-ataque contra Seul – o espaço de manobra de Pequim é igualmente limitado pelo risco de provocar uma crise de refugiados.
“Este teste nuclear é uma das poucas coisas que pode resultar em um corte no fornecimento de petróleo, mas ainda estamos muitos relutantes em fazer isso”, disse uma fonte próxima à diplomacia chinesa. “No que diz respeito a Coreia do Norte, Trump e Xi podem ser ambos tigres de papel.”
“A China vê as sanções como uma punição por um péssimo comportamento em vez de um instrumento eficaz para obter o desarmamento”, disse Michael Kovrig, do International Crisis Group. “Duvido [que a China] vá cortar o fornecimento de petróleo porque isso poderá desencadear uma crise econômica norte-coreana e uma retaliação”, acrescentou.
O encontro de Xi esta semana com os líderes do Brics é o segundo evento internacional mais importante programado este ano pela China. O primeiro e mais importante, o fórum sobre a “Nova Rota da Seda” em maio – uma iniciativa para fortalecer a logística de infraestrutura através da Europa e Ásia e para a África – foi igualmente ofuscado pelo bem sucedido teste de um míssil de alcance intermediário pela Coreia do Norte.
A reunião de cúpula do Brics foi o tema dominante do principal programa de notícias da estatal chinesa CCTV ontem à noite, que dedicou mais da metade do seu tempo ao encontro, fazendo apenas uma menção ao teste nuclear norte-coreano no fim do programa em um breve comunicado.
Embora Xi não tenha se referido diretamente à Coreia do Norte em Xiamen, o presidente chinês disse que terrorismo, invasões em redes de computadores e “outras ameaças” tinham “lançado uma sombra sobre o mundo”.
Shi Yinhong, especialista em relações internacionais na Universidade Renmin, em Pequim, acredita que as repetidas provocações de Kim são evidências da “determinação e confiança” do jovem líder norte-coreano.
“Kim Jong-un não se importa com o que os EUA e a China fazem”, disse Shi. “As sanções cada vez mais amplas e rigorosas da ONU são dolorosas, mas ele [Kim] também sabe que está avançando em direção ao objetivo final de ter um míssil nuclear operacional.”
“Sob a pressão americana, a China fez grandes concessões sobre a Coreia do Norte repetidas vezes”, disse Shi. “A China perdeu quase todo o espaço de manobra em sua política para a Coreia do Norte”, acrescentou.
Para Xi, os constrangimentos que tem suportado são particularmente irritantes considerando sua aversão ao jovem Kim.
No privado, as autoridades chinesas frequentemente se referem a Kim com um certo desprezo e, na semana passada, o ex- embaixador americano em Pequim deixou escapar que seu presidente também faz o mesmo. “A expressão mais desrespeitosa que já ouvi do presidente Xi foi a descrição dele de Kim Jong-un”, disse Max Baucus à BBC. “Ele simplesmente não gosta desse homem.”