COP 26: Adaptação será centro dos futuros debates

A COP26, a conferência das Nações Unidas que aconteceu na Escócia e terminou sábado a noite, fechou um ciclo da negociação internacional climática – ter dado forma ao Acordo de Paris é seu maior trunfo. A era das grandes COPs parece ter acabado, ao menos, por enquanto. 

O Pacote Climático de Glasgow agrada muito mais aos países ricos do que aos demais. Ficou claro que falta liderança, que a pandemia drenou os recursos financeiros e que as próximas COPs serão sobre adaptação. E que se não ocorressem em países com pouca tolerância para manifestações populares – a COP27 está marcada para o Egito e a COP28, nos Emirados Árabes – a indignação sobre desigualdade climática poderia sair das ruas e invadir os espaços de negociação. 

O pacote de Glasgow sinalizou que a era do carvão está em declínio, acenou que os próximos alvos são petróleo e gás e deixou aberta uma fresta para manter o limite do aquecimento em 1,5o C. Também fez relação entre natureza e clima e conectou as florestas aos mercados de carbono, embora o detalhamento disso tenha ficado para o futuro, assim como um punhado de tecnicalidades. 

Um tema em segundo plano, e que deve emergir senão pela agenda das negociações pela ira das ruas, de países africanos e das pequenas ilhas, é o da adaptação aos impactos climáticos. Mitigação — cortar gases-estufa — é prioridade dos países ricos, que emitem muito. Os países pobres e os em desenvolvimento sofrerão mais com os desastres naturais e estão pior preparados. Têm menos recursos. Isso deve vir a tona. 

Em Glasgow, o apelo por justiça climática foi apenas parcialmente atendido. O fracasso em aumentar as metas duras para o financiamento climático e fornecer apoio adequado para perdas e danos, em particular, corroeu ainda mais a confiança. A recusa dos países desenvolvidos em abrir espaço de carbono para os países mais pobres é lamentável, disse o indiano Arunabha Ghosh, membro do Climate Crisis Advisory Groups, um grupo de especialistas independente que reúne cientistas e consultores. 

Glasgow mandou um sinal político inimaginável anos atrás de que carvão e os demais combustíveis fósseis estão marcados para morrer. Mas para conhecer o poder de um parágrafo em uma decisão de COP, será preciso esperar. “É um sintoma de que muitos governos estão cada vez mais cientes de que um dia vai ser o fim do carvão, o problema é que são principalmente governos de países que ficaram ricos nesta base”, diz um delegado. 

Foi o recado explícito da Índia, no fim do evento. A China já havia sinalizado o pé no freio na declaração conjunta com os EUA. A economia chinesa sofre desaceleração como efeito da pandemia. Pequim não pode fazer compromissos muito ambiciosos agora. 

Quanto aos EUA, era fácil trombar com John Kerry nos corredores do centro de convenções. Mas os EUA não entregam muito mais do que palavras. 

É preciso esperar pelo resultado concreto das alianças pelas florestas e pelo corte ao metano. Assim como a corrida do mundo dos negócios a Glasgow para fazer lobby e tentar aparecer. É preciso aguardar para ver quais empresas transformarão seus compromissos em menos marketing e mais atitudes inquestionáveis para proteger o clima. 

Ninguém acreditou no número dos “mais de US$ 130 trilhões” do mercado financeiro que estariam convergindo para o clima. “É preciso entender que não há atmosfera para fotos como foi em Paris”, disse um delegado no aeroporto, já a caminho de casa. 

A foto no Le Bourget, em dezembro de 2015, é a de celebração de um acordo histórico. A foto mais alegre de Glasgow é a dos delegados que negociaram o artigo 6, que estrutura os mercados de carbono. O mais famoso artigo do Acordo de Paris agora diz quem irá vender créditos de carbono a quem, como isso irá impactar os compromissos dos países, criou duas modalidades diferentes, carregou antigos créditos de Kyoto para o novo regime – mas ainda falta resolver como – e fez menção a créditos florestais. 

Na Escócia acertou-se o tripé que ficou faltando na França, em 2015, quando representantes de 200 países fecharam o Acordo de Paris – os mercados de carbono, os mecanismos de transparência e a periodicidade com que todos devem apresentar seus novos esforços e resultados. Na plenária final ficou claro que os representantes das pequenas ilhas estavam decepcionados com o texto final, mas conformados que terão que lutar mais por um mecanismo acessível e com dinheiro para sobreviver aos desastres climáticos que já vivem.

Continuam apenas com uma plataforma digital e ganharam mais um grupo de trabalho, o que é ridículo diante da força do mar invadindo suas casas e ruas. Pelo menos o tema Perdas e Danos ganhou os holofotes e recursos simbólicos vindos do governo da Escócia e de grandes fundações como a Open Society e a Hewlett. 

Na fila do ônibus, COP26 concluída, uma líder do ativismo global não se conformava com uma frase de Alok Sharma, o presidente britânico da COP, em plenária. “Ele disse que todos tinham que ceder em palavras. Mas estamos cedendo em vidas. É muito triste.” 

Ao menos 23 mil pessoas de todo o mundo entre políticos, ambientalistas, cientistas, empresários e jornalistas retiraram seus crachás no centro de exibições escocês. Tiveram que fazer exames e declarar o resultado diariamente para ir à COP. 

A presidência britânica nunca revelou o número de casos positivos. No meio da segunda semana, segundo apurou o Valor, havia menos de 100 casos declarados positivos. A falta de transparência foi tema de discordância entre os britânicos e a ONU. A secretaria da Convenção do Clima queria abrir os números de casos diariamente. A presidência britânica, não. 

https://valor.globo.com/mundo/cop26/noticia/2021/11/16/adaptacao-sera-centro-dos-futuros-debates.ghtml

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