Confluência de riscos ameaça economia dos EUA

A economia dos Estados Unidos atravessou alguns momentos difíceis neste ano, mas agora enfrenta uma convergência de perigos que ameaça criar mais turbulências. 

Entre os possíveis desafios do quarto trimestre estão: uma greve mais ampla dos trabalhadores da indústria automobilística, uma prolongada paralisação do governo federal, a retomada da cobrança dos empréstimos estudantis e a alta dos preços do petróleo. 

De forma isolada, nenhum desses riscos causariam muitos danos à maior economia do mundo. Mas juntos têm um potencial de risco significativo, em especial em um momento que a economia já vem esfriando em razão das altas taxas de juros. “É essa ameaça de todos os quatro elementos juntos que poderá perturbar a atividade econômica”, diz Gregory Daco, economista-chefe da EY-Parthenon. 

Muitos analistas esperam um crescimento econômico menor no quarto trimestre, mas não uma recessão. Daco prevê que o crescimento econômico vai desacelerar bastante, para uma taxa anual de 0,6% nos últimos três meses do ano em relação ao crescimento esperado de 3,5% para este terceiro trimestre. Economistas do Goldman Sachs acreditam que o crescimento vai diminuir para 1,3% no próximo trimestre, depois de um ganho de 3,1% no terceiro trimestre. 

Até agora no ano, os gastos vigorosos dos consumidores e a taxa de desemprego historicamente baixa vêm dando suporte à sólida atividade econômica dos EUA, apesar de o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) ter elevado o juro ao nível mais alto em 22 anos para conter a inflação, desacelerando o crescimento. Enquanto isso, Europa e China enfrentam uma desaceleração mais acentuada. 

Uma ameaça econômica é uma greve mais ampla e mais prolongada convocada pelo United Auto Workers (UAW, sindicato dos trabalhadores do setor automotivo) contra três montadoras de Detroit. Quase 13 mil trabalhadores entraram em greve em três fábricas em 15 de setembro. E o presidente do UAW, Shawn Fain, disse na sexta-feira que a greve vai crescer para 38 centros de distribuição de peças da General Motors e da Stellantis em 20 Estados americanos. 

O impacto inicial da greve limitada a Detroit deverá ser modesto, mas uma paralisação mais ampla poderá prejudicar a produção e elevar os preços dos veículos. Trabalhadores em fornecedoras de autopeças também podem perder seus empregos. Uma greve ampla reduziria em 0,05 a 0,1 ponto porcentual o crescimento econômico anualizado a cada semana que durar, segundo o Goldman Sachs. 

Ao paralisar fábricas, a greve também adia a recuperação total do setor das rupturas nas cadeias de abastecimento causadas pela pandemia de covid-19. Os revendedores sofreram com a escassez de veículos na maior parte do ano passado, uma vez que a falta de peças reduziu os níveis de produção. Isso elevou os preços em meio a uma firme demanda de consumo. 

A produção nacional de veículos está voltando ao nível de antes da pandemia. Mas a greve poderá prejudicar a produção e elevar novamente os preços. “Não acredito que a greve por si só levará a economia americana a uma recessão, mas há outros obstáculos se aproximando”, diz Gabe Ehrlich, economista da Universidade de Michigan. “Quando você coloca tudo isso junto, parece que o quarto trimestre será turbulento.” 

O próximo solavanco poderá ser a paralisação parcial do governo. O Congresso tem até o fim da semana para chegar a um acordo sobre o orçamento do governo. Por enquanto, os parlamentares estão bem longe disso. 

Ontem, legisladores democratas e republicanos disseram que o tempo estava se esgotando para um acordo antes de 1o de outubro, quando vence o orçamento atual. O presidente da Câmara dos Deputados, o republicano Kevin McCarthy, propõe uma prorrogação de 45 dias do orçamento federal para dar mais tempo para um acordo sobre os detalhes dos gastos para o próximo ano fiscal, mas seu plano enfrenta forte resistência da ala radical de direita do seu partido. 

Se não conseguirem chegar a um acordo, todos os trabalhadores federais, exceto os mais essenciais, serão colocados em férias coletivas, talvez até 800 mil no país todo. Esses trabalhadores provavelmente gastarão menos durante a paralisação e o governo vai, temporariamente, comprar menos bens e serviços. 

Em dezembro de 2018, um impasse parecido provocou uma paralisação parcial de cinco semanas. Cerca de 300 mil servidores públicos federais foram colocados em férias coletivas. Isso reduziu o PIB em 0,1% no quarto trimestre de 2018 e 0,2% no primeiro trimestre de 2019, segundo o Escritório de Orçamento do Congresso (CBO, na sigla em inglês). 

A maior parte dessa atividade econômica perdida foi compensada mais tarde, quando o governo voltou a funcionar e os servidores públicos federais receberam os salários atrasados, segundo o CBO. 

Outro solavanco será a retomada da cobrança das parcelas do financiamento federal a estudantes em 1o de outubro. Isso poderá desviar cerca de US$ 100 milhões dos bolsos dos americanos no próximo ano, estima o economista Tim Quinlan, do banco Wells Fargo. 

A cobrança das parcelas do crédito estudantil estava suspensa desde março de 2020 por determinação do governo Biden para ajudar a amortecer os efeitos financeiros da covid-19. Isso liberou mais renda para os americanos gastarem, o que ajudou a estimular o crescimento econômico. 

Os pagamentos mensais para dezenas de milhões que tomaram empréstimos estudantis têm um efeito em média de US$ 200 a US$ 300 por pessoa. Embora representem uma fatia relativamente pequena dos US$ 18 trilhões em gastos anuais com consumo nos EUA, eles ainda representam uma preocupação para o Walmart, Target e outros grandes grupos varejistas. 

Os preços mais altos da gasolina também contribuem para essa pressão. Os preços do petróleo Brent – referências internacional – têm oscilado acima dos US$ 90 o barril nos últimos dias, de pouco mais de US$ 70 no terceiro trimestre. Os preços da gasolina subiram 10,6% no mês em agosto, maior alta mensal desde junho de 2022. Isso fez a inflação dos preços ao consumidor subir pelo segundo mês seguido, após uma tendência de queda no ano passado. 

Os custos altos da energia, assim como os pagamentos dos empréstimos estudantis, reduziram os orçamentos dos americanos para jantar fora e comprar presentes de Natal e outros gastos. Também podem influenciar os preços de bens e serviços. As tarifas aéreas subiram quase 5% no mês passado. Uma inflação persistente poderá pressionar o Fed a manter os juros elevados por mais tempo.

“É a greve, é a paralisação do governo, a retomada da cobrança dos empréstimos estudantis, os juros de longo prazo mais altos, o choque no preço do petróleo”, respondeu o presidente do Fed, Jerome Powell, na quarta-feira, sobre os riscos diante da economia. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/09/25/confluencia-de-riscos-ameaca-economia-dos-eua.ghtml

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