Conflito comercial pode tirar grupos chineses de Bolsas dos EUA

As companhias chinesas poderão ter de reconsiderar sua presença em Wall Street se o Congresso dos EUA aprovar um projeto de lei que poderá expulsar os grupos estrangeiros das bolsas de valores americanas. O alerta é de analistas do mercado.
A decisão do Alibaba Group – que há cinco anos realizou a maior oferta pública inicial de ações (IPO) de todos os tempos em Nova York – de buscar uma listagem secundária na bolsa de Hong Kong poderá ser a primeira de uma leva de companhias chinesas que examinarão suas opções com a intensificação da guerra comercial entre os EUA e a China. Segundo fontes, o Credit Suisse e a CICC estão coordenando a operação, que poderá levantar até US$ 20 bilhões.
Para Paul Gillis, professor da Universidade de Pequim e especialista em contabilidade na China, o projeto de lei “tem boas chances de ser aprovado e iniciará a contagem regressiva de três anos para negociações ou para as empresas listarem ações em outras praças”. Para ele, a maioria deverá transferir as listagens para Hong Kong”.
O projeto de lei é a mais recente demonstração da determinação de Washington de pressionar algumas das maiores empresas da China e para desconectar as duas maiores economias do mundo.
Apresentado no início do mês por um grupo de senadores dos dois partidos americanos, o projeto de lei diz que empresas estrangeiras poderão ter as ações retiradas das bolsas dos EUA se não derem a autoridades americanas pleno acesso aos seus relatórios de auditoria – algo que Pequim proíbe no caso das empresas chinesas. Se aprovada, a lei entraria em vigor após um período de carência de três anos, a começar em 2025.
“Se as empresas chinesas querem listar ações nas bolsas ou ter acesso aos mercados de capitais dos EUA, devemos fazer com que elas se enquadrem nas leis americanas”, disse, em nota, o senador republicano Marco Rubio (Flórida), um dos autores do projeto e conhecido pela posição dura com a China. Desde o ano passado, ele defende que as chinesas que não cumprem as leis locais devem deixar as bolsas dos EUA. A China considera essas auditagens como informações confidenciais.
O projeto de lei do Senado afetaria algumas das maiores do setor tecnológico no mundo, como a Alibaba e a JD.com. As chinesas listadas nos EUA tinham um valor de mercado combinado de US$ 1,2 trilhão em 25 de fevereiro, segundo a U.S.- China Economic and Security Review Commission.
Estrategistas do Bank of America Merrill Lynch disseram que há “um risco moderado” de algumas empresas chinesas virem a optar por tirar das bolsas americanas seus American Depositary Receipts (ADRs) mesmo antes de o projeto de lei ser levado à votação.
“Em carta de abril, um grupo de senadores dos dois partidos instou o governo Trump a elevar as exigências de transparência sobre chinesas listadas nos EUA. Avaliamos que isso pode ser um fator por trás da decisão da SMIC de tirar as ações da Nyse “, disseram os estrategistas em nota de 4 de junho.
E maio, a Semiconductor Manufacturing Internacional Corp, maior fabricante de chips da China, anunciou que está saindo da Bolsa de Nova York por causa do “volume de negócios limitado” e “do significativo ônus administrativo e custos de manutenção”.
A noticiada listagem secundária do Alibaba em Hong Kong acontece no momento em que o grupo necessita urgentemente de capital, uma vez que seus esforços de diversificação além do comércio eletrônico, juntamente com um crescimento econômico mais fraco, pesaram sobre a lucratividade e o fluxo de caixa. O grupo quer “atrair mais investidores, especialmente os da China continental”, segundo Martin Bao, analista da ICBC International em Hong Kong.
Mas as empresas chinesas de tecnologia têm plena consciência de que poderão ser alvos dos EUA na guerra comercial com Pequim.
O Departamento do Comércio dos EUA alegou riscos à segurança nacional para acrescentar a chinesa Huawei Technologies à chamada lista negra em maio, o que basicamente proíbe exportações para a fornecedora de equipamentos de telecomunicações chinesa, uma empresa de capital fechado.
Segundo fontes, Washington estaria considerando o mesmo tratamento para a Hangzhou Hikvision Digital Technology, fabricante estatal de câmeras ligada ao sistema de vigilância em massa do governo chinês na região de Xinjiang. Muitos investidores institucionais americanos estão vendendo ações da Hikvision.
Pequim proíbe o Conselho de Supervisão de Assuntos Contábeis das Companhias Abertas dos EUA de revisar as auditorias das empresas chinesas feitas por auditores registrados no país. China e Bélgica são os únicos países que negam esse acesso.
Muitas empresas chinesas têm avaliações mais baixas em comparação às companhias americanas porque os investidores não confiam em suas demonstrações financeiras, diz Drew Bernstein, sócio da MarcumBP, empresa de contabilidade de Nova York que atende companhias chinesas listadas nos EUA. “A falta de revisão definitivamente é um ponto negativo para os investidores”, diz.
A relutância chinesa em permitir o acesso das autoridades reguladoras americanas pode envolver suas estatais listadas nos EUA. Pequim detém participação de 30% ou mais em pelo menos 11 companhias listadas nas três maiores bolsas americanas, segundo a comissão de análise EUA-China.
Embora ofereça longo período de preparação, o projeto de lei do Senado impõe desafios enormes às empresas chinesas para tirar ações das bolsas americanas. Fechar o capital dessas empresas ou transferir suas listagens exigiria muito capital, que poderá não ser encontrado facilmente em outros lugares.
“As companhias chinesas definitivamente têm mais escolhas hoje, uma vez que as bolsas de Hong Kong e Xangai mudaram regras, diz Bernstein. Mas o mercado americano possui esse “enorme pool de capital altamente diversificado. Não é fácil substituir isso”.

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