Companhias aproximam-se de startups

Inovar virou palavra de ordem nas empresas. A questão não é só criar produtos ou processos novos. É fazer isso rapidamente, antes que concorrentes tradicionais – ou algum rival recente, do qual ninguém tinha ouvido falar antes – roubem espaço. Enquanto isso não dá para deixar de lado o dia a dia dos negócios, as atividades que pagam as contas.

Complicado? Muito. E a tendência é piorar. O que fazer, então, para se manter competitivo e não entrar para a lista das marcas que ficaram apenas nas lembranças dos consumidores?

Para muitas empresas, a resposta tem sido se aproximar de startups. Maratonas de desenvolvimento de software (as hackathons), aporte de capital por meio de fundos de investimento, parcerias ou criação de aceleradoras são algumas das iniciativas que compõem essa estratégia, conhecida como “corporate venture”. Nos Estados Unidos, um terço de tudo que é investido no fomento de startups, ou venture capital, vem de empresas, como mostrou material de Gustavo Brigatto no Valor de 26/08.

Nas contas de Maria Luisa Cravo, gerente de investimentos da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), são pelo menos 120 projetos do tipo no Brasil hoje. No fim do ano passado, eram 88. “Investir em pesquisa e desenvolvimento é muito caro e tem futuro incerto. Você não sabe exatamente quando a inovação vai ficar pronta. Por isso, é preciso acelerar o processo. E os presidentes das empresas estão se abrindo mais ao risco porque os competidores estão fazendo a mesma coisa”, diz. Em 2016, a Apex fará, pelo segundo ano consecutivo, um evento em São Paulo sobre “corporate venture”. A expectativa é reunir 600 pessoas em três dias.

Investir nesse tipo de iniciativa pode parecer um contrassenso em um momento de economia em crise, com recursos escassos que, a princípio, deveriam ser aplicados em opções mais seguras. Na avaliação de Pedro Waengertner, presidente da aceleradora Ace (antiga Acceleratech), a questão, no entanto é não adiar uma decisão que pode ser importante para a existência da empresa nas próximas décadas. “O momento de fazer é sempre agora. Se você olha com olhos de hoje, nunca vai fazer nada. Você que ter um olhar para daqui 10 anos”, diz.

A Ace trabalha em projetos com empresas como Algar, Enel Energia e Intercement. Para Waengertner, a tendência é que mais aceleradoras passem a se dedicar a esse tipo de atividade, o que pode multiplicar ainda mais rapidamente o número de iniciativas.

A aceleradora americana Techstars, que já investiu mais de US$ 2 bilhões em 762 startups, é uma das que está de olho nesse tipo de acordo. Globalmente, a companhia gerencia programas de “corporate venture” de empresas como o banco Barclays, Virgin Media, Sprint e AB InBev. Um dos modelos em vigor é a criação de núcleos setoriais, que reúnem de três as seis companhias de um mesmo segmento. E é isso que aceleradora pretende trazer para o Brasil, diz Tony Celestino, que comanda a operação local da Techstars. “O objetivo era 2018, mas acho que será antes disso.”

O modelo de atuação conjunto foi adotado pela seguradora Porto Seguro para lançar a aceleradora Oxigênio, em setembro do ano passado. A responsável por manter a iniciativa é a Plug and Play. Ela também atua como coinvestidora nas empresas aceleradas: o volume de recursos vai até US$ 25 mil por uma participação de 5% – o mesmo previsto para a Porto. Segundo Maurício Martinez, gerente da Oxigênio, as cinco empresas aceleradas já geraram 17 negócios com a seguradora.

Um deles é o teste de um programa de carona corporativa com a startup Bynd. A ideia é oferecer pontos no cartão de crédito da seguradora que poderão ser trocados por passagens aéreas por pessoas que oferecem e pegam caronas. “Para uma empresa do tamanho da Porto, não importa de onde a inovação venha, desde que venha”, diz. A Oxigênio está com inscrições abertas para sua segunda turma. O objetivo é “acelerar” sete empresas.

A Associação Brasileira de Startups (ABStartups) tem quase 4,2 mil companhias cadastradas em seu banco de dados, o que abre um campo bastante amplo de cooperação. Mas não é tarefa fácil para uma empresa de grande porte se aproximar desse mundo. Além de questões jurídicas, financeiras e regulatórias, há o desafio de mudar a cultura interna e eliminar resistências que, eventualmente, podem levar a iniciativa a não ter o resultado esperado. “Não é só criar caixinha, tem que mudar cultura, processo, mudar o perfil das pessoas recrutadas pela empresa. E as pessoas vão ter que se acostumar a conviver com isso”, diz Heitor Carrera, sócio do BCG.

Para minimizar possíveis problemas, Flávio Pripas, diretor do Cubo, espaço de trabalho colaborativo criado pelo Itaú em parceria com a Redpoint eventures, em São Paulo, recomenda que o relacionamento seja construído gradativamente. “Recebo todo dia duas grandes empresas interessadas em se aproximar das startups. Uma das provocações é estimulá-las a contratar um produto ou serviço das iniciantes. Praticamente, isso nunca funciona por conta de burocracia e barreiras internas. Então, como ele pode querer investir? É preciso aprender a trabalhar primeiro”, diz. Inaugurado há quase um ano, o Cubo hospeda 50 empresas. Além do Itaú, o espaço é financiado por Cisco, Accenture, Ambev, Mastercard, TIM e Saint-Gobain.

Segundo Thierry Fournier, presidente da Saint-Gobain para Brasil, Argentina e Chile, a companhia está adotando um conceito conhecido como ‘design thinking’ para se adequar a esse novo relacionamento. A metodologia privilegia a experimentação, por meio de lançamentos de iniciativas em uma velocidade mais rápida, com correções de rota ou ajustes sendo feitos com o passar do tempo. “É uma ruptura de paradigma importante”, avalia. Até o fim do ano, a companhia pretende fazer sua primeira hackathon. Além do Cubo, a companhia está próxima da Ace e da aceleradora Plug and Play.
Segundo Pripas, desde o início das atividades do Cubo, há pouco menos de um ano, foram fechados 80 negócios entre startups e grandes empresas – isso inclui investimentos, contratos de prestação de fornecimento de produtos e tecnologia etc.

Para o Itaú, o primeiro resultado direto será um evento para desenvolvedores, que a Rede – companhia de meio de pagamento eletrônico do grupo – planeja realizar em setembro. Batizado de Desafio Mastertech, o evento pretende estimular a criação de aplicativos que possam ser instalados em sua base de quase 1,7 milhão de máquinas de cartão de crédito.

A equipe vencedora receberá uma quantia de R$ 10 mil para desenvolver seu projeto e terá direito a seis meses de residência no Cubo. Os integrantes também ganharão viagens para o Vale do Silício. “Não podemos ficar com o modelo antigo de adquirência [transações com cartão], senão entramos na vala comum de discussão por preço. Queremos discutir como resolver problemas, a experiência do usuário, como levar facilidade aos clientes”, diz Frederico Alves Souza, diretor de produtos da Rede.

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