Como a Rússia aprendeu com as derrotas e mudou sua estratégia de guerra

The Economist; O general Valeri Gerasimov supervisionou fiascos no ataque inicial da Rússia contra Kiev e no assalto à região do Donbas, no meio do ano passado, além de desperdiçar dezenas de milhares de soldados em uma ofensiva no mesmo front ao longo dos cinco meses recentes. Uma ofensiva ucraniana está agora à espreita. Mas apesar de tudo, o Exército russo ainda parece estar aprendendo e se aprimorando de maneiras importantes.

Um novo artigo publicado por Jack Watling e Nick Reynolds, do Royal United Services Institute, um centro de análise de Londres, mostra como as táticas russas têm evoluído. Watling e Reynolds visitaram a Ucrânia repetidamente ao longo do ano passado e publicaram estudos detalhados sobre a guerra que são lidos avidamente em forças armadas e ministérios de defesa ocidentais. Seu artigo mais recente tem como base entrevistas entre o generalato ucraniano e dez de suas brigadas, que apontam para várias áreas de mudança — muitas das quais representam grandes ameaças para os planos ofensivos da Ucrânia.

A mais mudança importante é nas táticas básicas de infantaria. A Rússia começou a guerra usando grupos táticos de batalhão, ou BTGs, uma formação de aproximadamente 800 homens equipada — em teoria — com blindados, artilharia e defesas aéreas. Esses destacamentos se mostraram dolorosamente fracos em relação aos ucranianos, além de ineptos taticamente. Desde então, essa estrutura foi fragmentada. A Rússia manda agora pequenos destacamentos de infantaria “dispensável”, poucos homens de cada vez, com frequência sob efeito de anfetaminas, para “lutar (…) até serem mortos”. É mais um gotejamento humano do que uma onda, mas que revela posições ucranianas e consome sua munição.

Depois, grupos maiores de infantaria de assalto, com homens mais bem treinados, avançam apoiados por fogo de blindados, morteiros e artilharia. “É impossível dizer que o inimigo não sabe combater”, afirma o major-general Viktor Nikoliuk, responsável pelo treinamento das Forças Armadas ucranianas, apontando para o grupo militar privado Wagner e a crescente habilidade russa de combater à noite. “Nós também aprendemos muito deles a respeito de táticas.” Se uma posição é tomada, ela tende a ser fortificada dentro de 12 horas. “A (…) velocidade com que a infantaria russa cava e a escala com que os russos melhoram suas posições de combate são dignas de nota”, afirmam Watling e Reynolds. Engenheiro russos têm sido particularmente bem-sucedidos na construção de fortificações e pontes, assim como na instalação de campos minados. Em algumas áreas, suas fortificações defensivas se estendem por até 30 quilômetros.

Melhoras na artilharia

A artilharia russa também tem melhorado. Apesar da cadência de tiro ter baixado — de 12 milhões de cartuchos no ano passado para uma projeção de 7 milhões este ano — o uso russo de artilharia vem se aprimorando. Drones de reconhecimento estão cada vez mais eficazes, permitindo às armas atacar alvos ucranianos dentro de três a cinco minutos de detecção. Isso é auxiliado pelo crescente uso do sistema Strelets, um pequeno computador que conecta drones e sensores em terra a baterias de artilharia. Uma tática comum, afirmam os autores, “é os russos se retirarem de uma posição que está sendo atacada e posteriormente a saturarem com fogo, uma vez que os soldados ucranianos tentam ocupá-la.”

As táticas de blindados também estão evoluindo. Os tanques russos não tentam mais romper as linhas inimigas com impacto e velocidade. Em vez disso, fornecem poder de fogo a distâncias seguras. O relatório nota que, apesar do uso russo de tanques T-62 e T-55 — blindados antigos retirados da garagem — ter sido amplamente escarnecido online, suas armas continuam eficazes, e eles “representam uma séria ameaça no campo de batalha” num momento que a Ucrânia não conta com tantos mísseis guiados antitanques (ATGMs). Mesmo quando os ATGMs estão disponíveis, a coisa está mais difícil. Os tanques russos estão se aprimorando em se ocultar, usando camuflagem térmica e combatendo ao anoitecer e ao alvorecer, quando seu registro térmico é menos óbvio. A blindagem reativa dos russos, projetando-se ao explodir, “provou-se altamente eficaz”, com alguns tanques resistindo a vários disparos.

Um dos aspectos mais negligenciados — mas mais importantes — da guerra tem sido os sistemas de guerra eletrônica, ou EW. Esse talvez tenha sido o campo em que a adaptação e melhora dos russos foi mais impressionante, de acordo com autoridades ocidentais e ucranianas. A Rússia acionou grandes sistemas de EW para cada trecho de 10 quilômetros do front. Eles são destinados principalmente a detectar e destruir drones. E funcionam: a Ucrânia está perdendo estarrecedores 10 mil drones ao mês, afirma o relatório, o que corresponde a 300 perdas por dia. Sistemas de EW são responsáveis por aproximadamente metade das quedas, afirma uma autoridade ucraniana à Economist. Trata-se de um lembrete de que drones de reconhecimento tático tornaram-se ativos dispensáveis — mais como um tipo de munição do que uma aeronave. A Rússia também está usando sistemas de EW para criar iscas para confundir as unidades ucranianas.

Defesas antiaéreas

As defesas antiaéreas da Rússia, com frequência ridicularizadas no ano passado, também estão melhorando. Elas estão cada vez mais conectadas, o que lhes permite compartilhar dados sobre ameaças em aproximação e, portanto, têm evitado um número proporcionalmente significativo de ataques de GMLRS — as baterias guiadas por GPS disparadas de lançadores americanos himars — que arrasaram quartéis russos no ano passado. A Rússia está recuando esses centros de comando e controle ainda mais, dispersando, fortificando e conectando as instalações à própria “densa e robusta” rede ucraniana de telecomunicações, com cabos físicos estendidos até as brigadas mais próximas ao front. Os postos ainda serão vulneráveis aos mísseis de cruzeiro Storm Shadow enviados pelos britânicos em maio, mas em razão de seu custo e pouca quantidade eles não podem ser usados tão livremente quanto os GMLRS.

Uma das falas icônicas da primeira parte da guerra partiu de um soldado ucraniano mascarado, que refletiu sobre a inépcia dos russos. “Nós temos sorte deles serem tão absurdamente burros”, afirmou ele. “Não passam de idiotas. Voando por cima de nós e atirando contra Deus sabe o quê.”

O Exército russo continua assolado por problemas: não apenas gastou um ano tentando capturar Bakhmut, mas está agora sendo empurrado para fora da cidade. Não obstante, as forças russas têm capacidade de aprender. A arrogância inicial da Rússia foi substituída por um saudável respeito à destreza dos ucranianos, afirmam comandantes. “Há evidência de um processo centralizado de identificação de inconformidades em andamento e desenvolvimento de mitigações”, concluem os autores.

Essas constatações dão a impressão de que a contraofensiva ucraniana está fadada ao fracasso — o que está longe de ser o caso. A chave, concluem Watling e Reynolds, encontra-se mais numa tática consistente do que em novos armamentos: “Se a Ucrânia for capaz de perturbar as defesas russas e impor sobre elas uma situação dinâmica, as unidades russas deverão perder rapidamente sua coordenação”. Para romper defesas e explorar lacunas, afirmam eles, será necessário acertar no básico: um estoque de peças de reposição para os equipamentos doados, manuais traduzidos para língua ucraniana e bons treinamentos antes da hora H. Em 14 de maio, a inteligência militar do Reino Unido declarou que as forças russas provavelmente não possuem nenhuma “reserva grande, capaz e móvel para responder a novos (…) desafios”. O sistema de defesa da Rússia foi bastante aprimorado. Mas também é quebradiço. E pode ainda ser esmagado.

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