O que mais interessa é o comentário. Primeira produção original do serviço de streaming Hulu (concorrente do Netflix indisponível no Brasil), a série adolescente East Los High leva à risca o que dizem sobre ela e o modo como a veem. Todos os dias, em tempo real, cada “play”, “pause”, download pirata, comentário em rede social ou burburinho sobre o programa vai para o “baú” de dados da série.
O cruzamento dessas informações (ou big data analytics, na linguagem da tecnologia) fornece o que, na indústria do entretenimento, hoje vale mais que ouro: conhecer a fundo um público, como mostrou material do estadão de 16/02, pg B8.
O fato de a série ser exibida online tem papel importante nessa tarefa. Depois de analisar a forma como os espectadores viram 24 episódios da primeira temporada e 12 da segunda, a série East Los High percebeu, por exemplo, que deveria incluir mais mistérios não resolvidos e entradas surpreendentes de novos personagens. Como resultado, aumentou o número de pessoas que veem os episódios em sequência, um atrás do outro (prática conhecida como “binge-watching”).
“Durante todo o processo, informamos aos roteiristas as métricas fornecidas pelo Hulu para que entendam como a história está sendo assistida e compartilhada, e isso auxilia na revisão de roteiros e produção”, diz o brasileiro Mauricio Mota, sócio-fundador da produtora Os Alquimistas e produtor executivo da série.
O Netflix foi o pioneiro no “tratamento” de dados, ao sugerir ao usuário filmes semelhantes aos que ele já tinha visto. Hoje, ao mesmo tempo em que usa algoritmos para fazer recomendações baseadas nas suas preferências e na de seus amigos (são 230 bilhões de recomendações geradas por dia em nível mundial), a empresa também os usa na hora de decidir o quanto pagar pelas produções originais. “Se estamos em negociação com algum estúdio, tratamos de predizer quanta gente vai ver esse conteúdo e, baseado nisso, a gente vê se o dinheiro faz sentido ou não”, disse ao Estado Carlos Gomez-Uribe, vice-presidente de algoritmos da Netflix.
Além disso, foi analisando o alto índice de binge-watching das séries que ofertava em seu serviço que o Netflix decidiu jogar todos os 13 episódios de House of Cards no ar de uma vez só. Uma pesquisa da empresa divulgada em 2013 pelo Wall Street Journal revelou que quase metade dos usuários vê uma temporada de 13 capítulos em uma semana e 25% fazem o mesmo em dois dias.
Usar a enxurrada de dados online a seu favor, no entanto, é o desafio de qualquer serviço de streaming. “A questão não é só a quantidade de informação produzida”, diz Eduardo Francisco, professor do mestrado profissional em comportamento do consumidor da ESPM. “É preciso tomar as decisões em meio a um grande volume de dados e em um curto espaço de tempo.”
Por exemplo: se o usuário desiste logo no começo de assistir a um filme porque o conteúdo não lhe agradou, o site de streaming tem a missão de sugerir na hora algo mais direcionado ao perfil de seu assinante.
No caso de uma série, a interpretação dos dados pode gerar muito mais do que ideias para pequenas alterações no roteiro – principalmente quando o conteúdo ultrapassa os limite do canal de streaming. Ceci, personagem do East Los High que tinha um canal no YouTube falando sobre sua gravidez, fez tanto sucesso que seu papel de ajudante de vilã da primeira temporada passou para personagem principal na segunda temporada.
A repercussão virtual também está levando a produção a investir em uma linha de roupas (baseada nos comentários online dos usuários sobre os looks dos personagens), livros de culinária e romances jovens. De outro lado, está ainda sendo útil na estratégia de venda internacional dos episódios.
Nos últimos dois anos, o time da série mapeou conversas e os episódios pirateados em todo o mundo. Resultado: a série é vista e comentada por fãs em 127 países. México, um dos destaques, ganhará sua própria versão em breve.
Mota, da produtora Os Alquimistas, diz que também haverá uma produção inspirada em East Los High no Brasil, mas com a história centrada no público universitário – e não no latino, como é o caso da transmitida nos EUA. A série deverá ser produzida localmente em parceria com a ESPM.