Com a pandemia, países reforçam a defesa de empresas estratégicas

As principais economias começaram a erguer novas barreiras aos investimentos estrangeiros e práticas comerciais suspeitas, estimuladas pela turbulência econômica provocada pelo coronavírus  e pela assertividade crescente da China. 

Desde que as crises de saúde e econômica começaram, países em todo o mundo injetaram trilhões de dólares em subsídios e aperfeiçoaram defesa contra estrangeiros que buscam comprar empresas em setores como tecnologia, mineração e farmacêutico. 

Em um sinal do quão profundamente os sentimentos mudaram, o Reino Unido – há tempos um dos países mais abertos do mundo para investidores estrangeiros – juntou-se à lista, ao impedir uma tentativa recente de uma empresa chinesa de assumir o controle de uma empresa britânica de tecnologia. 

“Certamente vamos apresentar medidas para garantir a proteção de nossa base tecnológica”, disse o premiê britânico, Boris Johnson, ao Parlamento em 20 de maio, em meio a pedidos para a criação de um regime de controle de investimentos similar ao dos EUA. 

Em fevereiro, os EUA expandiram o poder de seu Comitê de Investimento Estrangeiro (CFIUS) para permitir que bloqueasse compras de participações minoritárias por estrangeiros, e não apenas aquisições, e para ampliar a área de atuação, de forma a cobrir mais setores, como o imobiliário. 

Em abril, o presidente Donald Trump formalizou um grupo consultivo de agências federais conhecidas como Team Telecom para impedir investimentos estrangeiros indesejados. Cinco dias depois, o grupo recomendou a revogação das licenças de operação nos EUA da estatal chinesa China Telecom. 

Outros países desenvolvidos, como Japão, Canadá, Austrália, Alemanha, França e Itália, também endureceram regras para investimentos estrangeiros nos últimos meses, em meio a temores de aquisições hostis durante a baixa decorrente do coronavírus. Governos expandiram o número de setores e reduziram os valores mínimos para controle de investimentos. 

Israel, sob pressão dos EUA, rejeitou recentemente uma oferta de um conglomerado com sede em Hong Kong para construir a maior usina de dessalinização do país. 

O secretário-geral da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), Jens Stoltenberg, alertou em abril para os efeitos geopolíticos da pandemia. “Alguns aliados são mais vulneráveis a situações em que a infraestrutura essencial pode ser vendida”, disse em teleconferência com ministros da Defesa de países da aliança militar. 

A União Europeia (UE), que até este ano se opunha categoricamente a medidas protecionistas, aprovou nas últimas semanas resgates financeiros estatais para empresas em dificuldades e fez um alerta contra a liquidação de empresas em setores cruciais. 

Numa iniciativa importante, que pode afetar muitas transações, a Comissão Europeia, órgão executivo da UE, está revendo regras de definição de mercado, o que lhe permitirá vetar aquisições por empresas estrangeiras fortemente subsidiadas. Para analistas, a China é o principal alvo da medida. 

As empresas de alta tecnologia não são as únicas a serem defendidas. Em março, a França impediu a venda de uma usina siderúrgica para um investidor chinês, alegando razões de segurança nacional. Paris também criou um fundo de €20 bilhões (US$ 22 bilhões) para proteger as 70 empresas negociadas na bolsa nas quais o Estado francês detém participações. 

A recente disputa do Reino Unido envolveu uma empresa de investimentos de propriedade chinesa, a Canyon Bridge Capital Partners, que em 2017 foi impedida pela CFIUS de comprar uma empresa de tecnologia dos EUA, por riscos à segurança nacional, pela possibilidade de transferência de propriedade intelectual, pelo papel do governo chinês na transação e pelo fato de o governo dos EUA usar produtos da Lattice. 

Além da oposição crescente aos investimentos chineses, o protecionismo tem se ampliado. A Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad) informou que, desde 2017, nove das dez maiores economias do mundo introduziram novas medidas que restringem investimentos estrangeiros. Segundo a Unctad, ao menos 20 transações, com um valor total de mais de US$ 162 bilhões, foram bloqueadas ou suspensas por razões de segurança nacional entre 2016 e 2019. 

Os investimentos estrangeiros em todo o mundo devem cair pelo menos 30% neste ano, em comparação com o ano passado, por causa da pandemia, de acordo com a 

Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que advertiu que regras mais rígidas para investimentos estrangeiros provocarão atrasos em transações e aumentarão seus custos. 

“Esses últimos acontecimentos levam a uma incerteza maior”, disse Matthew Levitt, sócio do escritório de advocacia internacional Baker Botts. “Por causa da variedade de setores cobertos por esses regimes, isso terá um efeito negativo nas transações.” 

A UE, que até este ano era defensora da abertura, tornou-se especialmente agressiva em suas ações. 

Em abril, o governo francês vetou a aquisição da startup de tecnologia Photonis pela empresa de defesa americana Teledyne Technologies International. O ministro das Finanças francês, Bruno Le Maire, disse que “um grande operador industrial francês deve adquirir a Photonis para garantir a soberania tecnológica da França”. 

A Alemanha reforçou seu regime para investimentos estrangeiros em abril, depois que o governo interveio para repelir o que classificou de tentativas do governo americano de convencer a fabricante de vacinas CureVac a se transferir para os EUA. 

“Vamos nos defender de investidores estrangeiros que pensam que podem obter preços de barganha por empresas alemãs famosas e renomadas”, afirmou o ministro da Economia da Alemanha, Peter Altmaier. 

A Itália foi além e ampliou o poder do governo de bloquear aquisições estrangeiras por razões de segurança nacional para setores como finanças e seguros – e incluiu na acepção de estrangeiras as empresas com sede em outros países da União Europeia. Essas regras podem violar as leis da UE que regem o mercado interno unificado do bloco. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/06/02/com-a-pandemia-paises-reforcam-a-defesa-de-empresas-estrategicas.ghtml

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