A China levará adiante na semana que vem a mais explosiva disputa até agora no sistema multilateral de comércio, alvejando apenas a União Europeia e poupando os EUA no momento, sobre o reconhecimento de seu status de economia de mercado na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Pequim incluiu na agenda da reunião do dia 21 do Órgão de Solução de Controvérsias da OMC um pedido de painel (comitê de investigação) para os juízes da entidade determinarem se as políticas europeias sobre taxação antidumping para “economias não de mercado” violam as regras globais, como mostrou artigo de Assis Moreira, publicado no Valor de 13/03.
Quando a China foi aceita na entidade em 2011, os países obtiveram por 15 anos o direito de utilizar uma metodologia flexível para calcular dumping sobre produtos chineses, ou seja, com preços considerados deslealmente baixos. Essa metodologia sempre inflou o cálculo e significou taxação maior contra as importações da China.
A cláusula expirou em 11 de dezembro do ano passado. E Pequim entende que os outros 163 países-membros da OMC não podem mais usar preços e custos de terceiros países para calcular dumping de produtos chineses. As investigações precisam seguir as regras normais da OMC.
Um dia depois, em 12 de dezembro, Pequim acionou o mecanismo de disputas da OMC contra os EUA e a UE pela relutância em reconhecerem o novo status chinês de economia de mercado, sinalizando que não toleraria exceções.
Em fevereiro deste ano, a China realizou consultas separadas com a UE e os EUA, mas ficou claro que o contencioso não seria resolvido sem uma investigação dos juízes da OMC. Pequim ficou então autorizado a pedir painel para a OMC examinar o caso, num processo que pode inclusive levar a retaliações comerciais.
A surpresa foi Pequim, na sexta-feira, decidir continuar o confronto apenas contra a UE, sem comentar as razões de poupar os EUA ou se agirá proximamente contra Washington separadamente.
O Valor apurou que a China considera ter uma denúncia legal mais sólida contra a UE e, assim, mais chances de mostrar violação de regras diante dos juízes.
Os regimes antidumping europeu e americano tem diferenças. A UE mantém uma lista de países que considera não serem economia de mercado, encabeçada pela China. Nesses casos, faz uma investigação específica para determinar distorções de mercado pela influência excessiva do Estado na economia do país vendendo para o mercado europeu.
Os outros da lista europeia são Vietnã, Cazaquistão, Albânia, Armênia, Azerbaijão, Bielorussia, Geórgia, Coreia do Norte, Qirquistão, Moldávia, Mongólia, Tajiquistão, Turkmenistão e Uzbequistão.
Por sua vez, o regime dos EUA coloca o ônus da prova para a China mostrar que cumpre seis critérios específicos que determinam se age como economia de mercado. Washington tem insistido que não vai abrir mão de usar dados de terceiros países para determinar dumping chinês, apesar das reclamações de Pequim. Em dezembro, ainda sob o governo de Barack Obama, Washington destacava que a China não podia ter status de economia de mercado diante do controle direto do Estado sobre setores e indústrias, concessão de generosos subsídios que provocam excesso gigantesco de capacidade em áreas como siderurgia e alumínio, inundando depois o mercado mundial com preço muito baixo.
Na avaliação chinesa, conforme fontes, fica mais fácil argumentar que a lista da UE de países não sendo economia de mercado viola as regras da OMC. Assim, ganharia primeiro contra os UE e depois alvejaria outros insistindo em metodologia diferente daquela da OMC contra produtos chineses.
Para um importante analista, essa disputa é uma “bomba” – a China vai ter todo cuidado para não perder e alvejará o caso mais evidente de violação das regras.
Outros analistas não descartam uma ação rapidamente dos chineses contra os EUA também, dependendo das fricções bilaterais.
Os EUA tem duas denúncias específicas na OMC contra subsídios da China para o setor de alumínio e para o setor agrícola.
Assessores da administração de Donald Trump já advertiram que a Casa Branca pode ignorar regras da OMC e partir para sanções unilaterais se, por exemplo, os juízes da entidade global derem razão à China sobre o status de economia de mercado para a segunda maior economia e maior nação comerciante do mundo (na soma de exportações e importações).
Para o Brasil e outros parceiros, restará esperar essa briga de grandes, que afetará a capacidade de cada um defender a indústria nacional contra mercadorias chinesas.