“Desde que a bolha imobiliária chinesa estourou”, disse Richard Koo, do Instituto de Pesquisa Nomura, em uma palestra recente, “tenho recebido uma enxurrada de ligações de jornalistas, economistas, investidores e, às vezes, formuladores de políticas da China me perguntando: ‘Vamos acabar como o Japão?’.”
Koo é uma boa pessoa para se fazer essa pergunta: ele dedicou a carreira ao estudo das consequências do excesso de recursos financeiros em uma economia. Quando a recuperação da economia americana da Guerra do Golfo tropeçou em 1991, seu então chefe no Federal Reserve de Nova York, Edward Frydl, começou a se preocupar com um excesso de dívidas e de imóveis comerciais. Isso estava “alimentando um conservadorismo financeiro e econômico generalizado entre as empresas e os consumidores”, defendia Frydl. A demanda por crédito foi reduzida, porque as empresas estavam “direcionando seus esforços para a reestruturação do balanço”. Para descrever essas tensões, ele cunhou o termo “recessão de balanço”.
Posteriormente, Koo percebeu que o Japão estava sofrendo com os mesmos excessos, só que muito piores. Depois que sua bolha financeira estourou em 1989, os preços das ações despencaram 60% em menos de três anos. Os valores dos imóveis em Tóquio caíram durante mais de uma década. A deflação, de acordo com algumas medidas, continuou por mais tempo. Até mesmo a mensalidade de clubes de golfe – que no Japão é negociada segundo as regras da bolsa – caiu 94%.
Muitas empresas, que tinham tomado empréstimos para comprar imóveis ou participações de outras organizações, perceberam que estavam tecnicamente insolventes, com ativos valendo menos do que seus passivos. Mas elas permaneciam com liquidez, ganhando receitas suficientes para cumprir com seus compromissos financeiros. Com a sobrevivência em jogo, reorientaram seus esforços, passando a minimizar as dívidas em vez de maximizar os lucros, como Koo explica.
Em uma economia saudável, as empresas usam os recursos financeiros fornecidos por famílias e outros donos de poupanças, investindo o dinheiro para expandir seus negócios. Após o estouro da bolha no Japão, a situação era diferente. Em vez de levantar fundos, o setor empresarial começou a pagar dívidas e a acumular seus próprios créditos financeiros. O déficit financeiro habitual se transformou num superávit financeiro crônico. A inibição das empresas privou a economia da tão necessária demanda e da pujança empresarial, o que a condenou a uma ou duas décadas deflacionárias.
Então, será que vai ocorrer com a China o mesmo que aconteceu com o Japão? As empresas chinesas acumularam ainda mais dívidas, em relação ao tamanho do PIB do país, do que as do Japão na época de sua bolha. Os preços dos imóveis na China começaram a cair, prejudicando os balanços das famílias e das empresas do setor imobiliário. O crescimento do crédito desacelerou consideravelmente, apesar dos cortes nas taxas de juros. E as estatísticas do fluxo monetário mostram uma redução no déficit financeiro das empresas chinesas nos últimos anos. Na avaliação de Koo, a China já está numa recessão de balanço. Adicione a isso o declínio populacional e um relacionamento hostil com os EUA e não é nada difícil sentir-se pessimista. Talvez o Japão seja o melhor dos cenários possíveis.
Observe com mais atenção e o caso é menos conclusivo. Grande parte da dívida das empresas chinesas é com as empresas estatais que continuarão a tomar empréstimos e a gastar, com o apoio dos bancos estatais, caso isso seja exigido pelos formuladores de políticas da China. Entre as empresas privadas, a dívida está concentrada nos registros financeiros das incorporadoras imobiliárias. Elas estão reduzindo suas dívidas e limitando o investimento em novos projetos. Mas, diante da queda dos preços dos imóveis e das vendas fracas deles, até mesmo as incorporadoras com balanços robustos estariam fazendo a mesma coisa.
O fim do boom imobiliário da China tornou as famílias menos ricas. Ao que tudo indica, isso está provocando um conservadorismo em seus gastos. Também é verdade que as famílias têm pagado as hipotecas antecipadamente nos últimos meses, contribuindo para a diminuição significativa do crescimento do crédito. Mas as pesquisas mostram que as dívidas das famílias estão baixas em comparação com seus ativos. O pagamento antecipado das hipotecas é uma resposta racional às mudanças nas taxas de juros, e não um sinal de estresse no balanço. Quando as taxas de juros caem na China, as famílias não conseguem refinanciar com facilidade suas hipotecas a taxas menores. Portanto, faz sentido para elas pagar as hipotecas antigas e relativamente caras, mesmo se isso significar resgatar investimentos que estão oferecendo rendimentos mais baixos.
E quanto à mudança de comportamento das empresas revelada pelas estatísticas de fluxos monetários da China, segundo as quais o setor empresarial está se encaminhando para um superávit financeiro? Essa redução é em grande parte motivada pelas medidas severas contra o sistema bancário paralelo, apontam Xiaoqing Pi e seus colegas do Bank of America. Quando as instituições financeiras são excluídas, o setor empresarial continua exigindo recursos do restante da economia. As empresas chinesas não fizeram a mudança coletiva e contraproducente de maximizar os lucros para minimizar as dívidas que condenaram o Japão a uma década deflacionária.
Lições japonesas
Essas diferenças mostram que a China ainda não está numa recessão semelhante àquela do Japão. E o próprio Koo faz questão de enfatizar uma “enorme” diferença entre os dois países. Quando o Japão estava entrando numa recessão de balanço, ninguém no país tinha um nome para o problema ou ideia de como combatê-lo. Hoje, segundo ele, muitos economistas chineses estão estudando suas reflexões.
Sua prescrição é direta. Se as famílias e as empresas não tomarem empréstimos e gastarem mesmo com as taxas de juros baixas, então o governo precisará fazer isso no lugar delas. Os déficits fiscais devem compensar o superávit financeiro do setor privado até que seus balanços estejam totalmente recuperados. Se Xi Jinping, o presidente da China, receber o conselho certo, conseguirá resolver o problema em 20 minutos, brincou Koo.
Infelizmente, até agora, as autoridades chinesas têm demorado a reagir. O déficit orçamentário do país, amplamente delimitado para incluir vários tipos de empréstimos dos governos locais, foi reforçado este ano, agravando a desaceleração. O governo central tem margem para tomar mais empréstimos, porém parece relutante em fazer isso, preferindo esperar e se manter a postos para agir, caso seja necessário. Isso é um erro. Se o governo começar a gastar tarde demais, provavelmente precisará gastar mais. É irônico que a China corra o risco de entrar numa recessão prolongada, não porque o setor privado esteja empenhado em arrumar suas finanças, mas porque o governo central não está disposto a desorganizar seu próprio balanço o bastante.
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