China empresta mais, mas a juros maiores e sem transparência

Um valor espantoso de US$ 385 bilhões em dívida de vários países com a China foi ocultado do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) graças à forma como os empréstimos foram estruturados, segundo dados do centro de pesquisa americano AidData. Seu mais recente relatório “Banco de Dados Oficial das Finanças Globais da China” também afirma que grande parte do financiamento chinês para projetos de desenvolvimento no Paquistão, por exemplo, é composta de empréstimos caros. 

O relatório mostra que a China distribui duas vezes mais dinheiro para outros países do que os EUA e outras grandes potências – a maior parte, na forma de empréstimos de risco e a juros altos de bancos estatais chineses. 

A quantidade de empréstimos chineses é surpreendente. Não muito tempo atrás, a China recebia ajuda externa, mas agora a situação mudou. Num período de 18 anos, a China concedeu ou emprestou dinheiro para 13.427 projetos de infraestrutura no valor total de US$ 843 bilhões em 165 países, de acordo com o AidData, que tem sede no College of William and Mary, nos EUA. 

De acordo com o documento, não há transparência no financiamento concedido por Pequim a vários projetos. A China subnotifica repetidamente o valor desses financiamentos no sistema do Banco Mundial ao emprestar dinheiro a empresas privadas em países de renda média baixa por meio de veículos de propósito específico (SPEs), em vez de instituições oficiais estatais. 

Isso torna difícil aos devedores e credores multilaterais avaliar os custos e benefícios de participar da Iniciativa do Cinturão e da Rota (BRI, na sigla em inglês) – projeto do regime chinês para expandir a zona de influência de Pequim por meio do investimento em obras de infraestrutura no exterior. Também aumenta a possibilidade de que devedores caiam em armadilhas de endividamento das quais só teriam uma maneira de escapar: vender ativos geopoliticamente importantes para a China. 

O relatório acrescenta que – em razão dos gastos da China no âmbito da BRI – hoje 42 países têm níveis de exposição de sua dívida pública para a China superiores a 10% de seu Produto Interno Bruto (PIB). Por exemplo, o projeto ferroviário China-Laos, financiado pelo Banco de Exportação-Importação da China e avaliado em US$ 5,9 bilhões – quase um terço do PIB do Laos – é custeado exclusivamente com dívidas ocultas. 

O diretor executivo da AidData, Bradley C. Parks, disse que o Banco Mundial e o FMI já estão cientes dessa questão e que o relatório quantificou a escala do problema. 

“Estimamos que, em média, um governo subnotifica suas obrigações reais e potenciais de pagamentos à China em um montante equivalente a 5,8% de seu PIB, com base em estimativas individuais de subnotificação para os 165 países”, disse Parks, que também é um dos autores do relatório. 

O estudo também traz algumas revelações interessantes sobre o financiamento chinês de projetos de desenvolvimento no Paquistão, no contexto do Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC na sigla em inglês), o programa de US$ 50 bilhões da BRI para o país. 

De acordo com o documento, entre 2000 e 2017 a China fez acordos totais equivalentes a US$ 34,3 bilhões para o financiamento de projetos de desenvolvimento no Paquistão, dos quais pelo menos US$ 27,8 bilhões foram empréstimos oficiais do tipo comercial com concessões limitadas. 

O relatório também revela que os empréstimos chineses ao Paquistão são caros, em comparação com os empréstimos concedidos ao país pelo Comitê de Assistência ao Desenvolvimento da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e por credores multilaterais. 

O financiamento médio chinês ao Paquistão, segundo o estudo, tem uma taxa de juro de 3,76%, um prazo de vencimento de 13,2 anos e um período de carência de 4,3 anos. 

“Como comparação, um empréstimo típico de um credor da OCDE, como Alemanha, França ou Japão, tem uma taxa de juro de 1,1% e um período de pagamento de 28 anos, muito mais generoso do que o que a China oferece a Islamabad”, diz Ammar Malik, pesquisador sênior da AidData. 

“Os empréstimos por meio de veículos de propósito específico e joint-ventures – em acordos que ficam de fora do orçamento – oferecem a governos de baixa ou média renda uma forma de facilitar a implementação de grandes projetos de infraestrutura pública sem ficar no vermelho em termos de limites de dívida”, disse Parks. 

Jeremy Garlick, professor associado de Relações Internacionais da Universidade de Economia de Praga, disse que o Paquistão está sem dinheiro e em busca de investimentos há décadas. “Os empréstimos chineses são bastante caros, mas o Paquistão os buscou ativamente. Os chineses não impuseram isso ao Paquistão”, disse. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/09/30/china-empresta-mais-mas-a-juros-maiores-e-sem-transparencia.ghtml

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