Donald Trump foi criticado por declarar no Twitter que, para os EUA, uma guerra comercial seria “fácil de vencer”. Mas economistas dizem haver certo grau de verdade na afirmação de que, numa guerra comercial, países deficitários levam vantagem sobre os que mantêm superávits comerciais.
O superávit comercial da China infla a sua economia a cada ano, enquanto o déficit freia o crescimento dos EUA. Desse ponto de vista, os economistas dizem que Trump está certo em temer menos uma queda comercial do que o presidente chinês, Xi Jinping.
No entanto, as medidas da Casa Branca até o momento deram poucos motivos para acreditar que Trump e seus assessores entendem como jogar a seu próprio favor, como mostrou matéria do Financial Times, assinada por Gabriel Wildau, publicada no Valor de 29/03.
“Em princípio, guerra comercial é coisa que países deficitários com economias diversificadas devem vencer e que países superavitários sempre perdem. Portanto, não se trata de uma luta em igualdade de condições”, diz Michael Pettis, professor de finanças da Universidade de Pequim. “Isso não quer dizer que países deficitários não podem cometer erros, e, infelizmente, o enfoque que os EUA estão adotando não vai sanar o déficit.”
Entender por que países superavitárias costumam se sair pior exige recuar de
um foco em produtos específicos, como soja ou aço, e entender as forças macroeconômicas que criam superávits e déficits.
Um princípio econômico básico sustenta que o saldo entre exportações e importações corresponde à diferença entre poupança e investimento nacionais. Os economistas geralmente encaram esse último saldo como mais significativo: a diferença entre poupança e investimento é que determina o saldo comercial, e não o contrário.
Desse ponto de vista, medidas específicas de política comercial são, na maioria das vezes, cortinas de fumaça. Uma tarifa sobre o aço reduzirá a importação de aço, mas se o saldo poupança-investimento não conseguir se ajustar, outras importações vão subir na mesma medida, deixando inalterada a balança comercial como um todo.
Para os EUA, reduzir o déficit da balança comercial exige mais poupança em relação ao seu nível de investimento. Políticas fiscais voltadas para aumentar a poupança dos EUA poderiam ajudar, embora os recentes cortes de impostos e os aumentos dos gastos, ambos financiados por déficit público, pressionem no sentido contrário.
“Tarifas não têm muito impacto na balança comercial de um país. Enquanto a demanda dos EUA estiver aumentando e a economia estiver perto da plena capacidade, estaremos importando de alguém”, diz David Loevinger, ex-funcionário do Departamento do Tesouro dos EUA e hoje diretor de pesquisa soberana em mercados emergentes do TCW Group.
Para além da política fiscal, os EUA poderiam restringir a capacidade da China e de outros países superavitários de financiar o déficit público americano por meio de compras de títulos do Tesouro dos EUA e de outros ativos em dólar.
Impor controles de capital seria renegar fundamentalmente o compromisso dos EUA com a abertura financeira e a
liberalização dos fluxos de capitais, que sustentam o dólar como moeda de reserva mundial. Mas há poucos sinais de que Trump e seus assessores deem muita importância a coisas desse tipo, principalmente agora que os globalistas, capitaneados por Gary Cohn, foram defenestrados abruptamente da Casa Branca.
Uma guerra comercial travada dessa maneira infligiria sofrimento significativo à China e traria alguns benefícios aos EUA.
Wei Li, economista-sênior para a China do Standard Chartered, de Xangai, estima que uma guerra comercial generalizada entre EUA e China custaria à China de 1,3% a 3,2% do PIB num cenário extremo, no qual os EUA proibiriam toda e qualquer importação chinesa. Para os EUA, a perda, nessas condições, seria de 0,2% a 0,9% do PIB.
Para se ter uma ideia de como uma guerra comercial por meio de controles de capital poderia ser travada, basta avaliar a China da década de 2000. Os controles cambiais chineses visam restringir a saída de capitais, enquanto o país se abre cada vez mais a recursos estrangeiros por meio de seus mercados de ações e de bônus. Mas, quando os superávits da China estavam em seu pico, dez anos atrás – o superávit em conta corrente atingiu quase 10% do PIB em 2007, caindo para 1,4% em 2017 – a China barrou a entrada de recursos nos seus mercados financeiros.
“Qualquer tipo de restrição aos fluxos de capital é, em última análise, um modo de administrar desequilíbrios comerciais”, diz Pettis.
A dificuldade para os EUA é que controles de capital não podem, de maneira viável, ser mobilizados só contra “rivais estratégicos” como a China. Os aliados militares Alemanha e Coreia do Sul também são grandes contribuintes do déficit em conta corrente dos EUA.
É aí que a China vê sua proteção contra a devastação de uma guerra comercial global. Arthur Kroeber, do Gavekal- Dragonomics, consultoria sediado em Pequim, diz que o foco da China é isolar os EUA para impedir que aliados, como União Europeia e Japão, entrem na briga.
“A China sabe que consegue manter a sua posição e controlar a situação em um conflito comercial com qualquer rival individual, inclusive os EUA. Mas [sabe também que] um esforço orquestrado das democracias industriais para restringir o programa de desenvolvimento mercantilista da China lhe daria muito mais problemas”, escreveu ele na semana passada.
Kroeber vê o recente acordo da premiê da Alemanha, Angela Merkel, com Xi, para cooperação sobre o excesso de capacidade siderúrgica, como “uma rejeição alemã aos esforços americanos de coagi-la a ingressar uma aliança anti- China”.
O outro ponto forte de alavancagem da China é a dependência das empresa americanas do enorme mercado interno chinês. Essa dependência não aparece primordialmente nos dados do comércio de bens, e sim nos de serviços, bem como nos lucros corporativos das subsidiárias chinesas de companhias americanas como Apple, General Motors e Caterpillar.
Essas empresas são vulneráveis a uma enorme variedade de formas de desestabilização, muitas das quais tendem a ocorrer por meio do assédio regulatório. Já o establishment empresarial chinês continua mais focado no mercado interno, apesar da recente onda de investimentos externos.
“Existem tantas maneiras pelas quais os chineses podem desacelerar ou barrar seus negócios”, diz William Zarit, presidente da Câmara Americana de Comércio de Pequim. “As regras não escritas muitas vezes têm mais poder que qualquer regra escrita. Eles não vão certificar o seu produto, vão examinar seus impostos, talvez cheguem até a começar a examinar vistos”, diz ele.
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