China e Índia aceleram redesenho da geopolítica no mundo

Agosto e setembro ofereceram fartos sinais de aceleração do momento de transição no xadrez geopolítico global, com abandono do cenário unipolar para o desenho de uma nova multipolaridade.

Narendra Modi, na data de celebração da independência da Índia, decantou o projeto de, em 25 anos, levar seu país à condição de “desenvolvido” e, na sexta (30), Vladimir Putin despejou um dos seus mais nacionalistas discursos ao criticar a “ditadura das elites ocidentais”.

O calendário de outubro aponta para mais um momento promissor em diatribes aos EUA e aliados. Nacionalismo deverá ser um dos ingredientes do congresso do Partido Comunista da China, a começar no dia 16 para anunciar o terceiro mandato de Xi Jinping, estendendo seu reinado, iniciado em 2012, até 2027.

Duas semanas atrás, Xi, Modi e Putin se reuniram na cidade uzbeque de Samarcanda, sob o mote de uma reunião da Organização de Cooperação de Xangai —grupo idealizado sobretudo para concatenar políticas na estratégica Ásia Central. Houve convergências e desavenças entre os líderes, mas a atenção global dispensada ao evento escancarou, mais uma vez, o deslocamento de poder político, econômico e militar responsável por um redesenho do século 21.

No fim da Guerra Fria, com a queda do Muro de Berlim em 1989, o cenário global se despediu da bipolaridade protagonizada ao longo de décadas por EUA e União Soviética para, em velocidade meteórica, mergulhar na realidade unipolar. Washington, então, sem a sombra emanada de Moscou, passou a exercer poderio inédito, apoiado no peso de sua dinâmica economia e de sua máquina militar.

Passaram pela Casa Branca, nos tempos da “pax americana”, Bill Clinton e George W. Bush. O primeiro surfou num período de impressionante crescimento econômico e o sucessor enfrentou o maior ataque terrorista da história, a 11 de Setembro de 2001, e deslanchou ações militares em países como Afeganistão e Iraque.

Enquanto os EUA comandavam o cenário unipolar, sem vislumbrar rivais capazes de questionar sua prevalência, ganhava força o fenômeno dos chamados países emergentes, com a economia de mercado se infiltrando em paragens antes interditadas, como a China comunista ou a Índia socialista.

Em 2008 e 2009, a crise financeira internacional, com epicentros nos EUA e em países europeus, castigou personagens centrais do mundo unipolar. Chegaram então momentos finais da hegemonia inconteste de Washington e de seus aliados históricos.

Com reformas e aberturas comerciais, ganhavam robustez as economias de emergentes, capitaneados por China e Índia. Em 2010, o PIB chinês alcançou a condição de segundo maior do planeta. Em 2012, iniciou-se em Pequim a era Xi Jinping, a carregar como uma de suas tarefas colocar em xeque a hegemonia americana.

Em 2014, Narendra Modi se transformou em primeiro-ministro da Índia, à frente da decolagem econômica iniciada mais de duas décadas antes e baseada em introdução de reformas liberalizantes e aliança estratégica com os EUA. O novo governo adicionou nacionalismo como fator a guiar estratégias.

O mundo multipolar, portanto, passou a ganhar contornos mais claros, com a ascensão de Pequim e Nova Déli como importantes centros decisórios. E Moscou, embalada pelo fortalecimento de aliados, ganhou mais confiança para implementar desafios aos EUA.

A turbulência do cenário global se deve em boa medida ao rearranjo de forças, na transição da unipolaridade dos EUA para a multipolaridade esculpida após a aparição de novas potências. Nesse cenário, a diplomacia deve, mais do que nunca, prevalecer nos embates entre países coalhados com ogivas nucleares.

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jaimespitzcovsky/2022/09/russia-china-e-india-aceleram-redesenho-da-geopolitica-em-desafio-aos-eua.shtml

Comentários estão desabilitados para essa publicação