China cai em deflação e acende sinal de alerta na economia mundial 

A fraca demanda dos consumidores e o aumento das atribulações econômicas da segunda maior economia do mundo jogaram a China em terreno deflacionário pela primeira vez em dois anos, aumentando a pressão para que Pequim atue com mais firmeza e evite um aprofundamento do mau momento econômico.

Depois de levantar as restrições da pandemia de covid-19, a China, em vez de testemunhar um aumento de preços, passou a sofrer uma atípica onda de queda nos preços de uma série de bens, desde commodities, como aço e carvão, até itens essenciais cotidianos e bens de consumo, como vegetais e eletrodomésticos. 

Embora a queda de preços na China possa ajudar a aliviar a pressão inflacionária em outros países, já que torna as exportações chinesas mais baratas, também pode se tornar mais um motivo de preocupação para a economia mundial. Por exemplo, uma enxurrada de produtos chineses de baixo custo poderia reduzir os lucros dos produtores em outros países e diminuir as oportunidades de emprego. 

Os preços ao consumidor na China caíram 0,3% em julho em comparação com o mesmo mês de 2022. Os dados mais recentes disponíveis para os EUA mostraram que os preços ao consumidor aumentaram 3% em junho, na comparação anual, o menor número em mais de dois anos, enquanto a inflação anual na União Europeia ficou em 6,4%, desacelerando-se em relação aos 7,1% de maio. 

O problema deflacionário da China contrasta com a situação dos EUA e de outras economias desenvolvidas ocidentais, onde a inflação decolou.

A ausência de inflação na China reflete um desequilíbrio na economia chinesa, caracterizado pela força da oferta e pela dormência da demanda interna que, segundo economistas, para ser despertada, exigiria mais esforços de Pequim. 

A retomada depois do fim das restrições da pandemia, entretanto, se dissipou rapidamente na China. Ao mesmo tempo, o investimento do setor privado caiu e ficou abaixo dos níveis pré-pandemia, abalado pela intensificação das tensões geopolíticas com as economias ocidentais e pelas ofensivas fiscalizadoras que tiveram como alvo alguns dos setores mais lucrativos da China. 

Por sua vez, o desemprego entre os jovens atingiu uma série de recordes negativos e chegou a 21,3% em junho. As exportações chinesas, um pilar econômico durante os anos da covid-19, agora apresentam seu pior ritmo de queda em anos, à medida que a demanda no mundo ocidental vai secando. 

Por enquanto, as autoridades econômicas chinesas mostram tranquilidade quanto à queda nos preços e não dão muita importância aos comentários de que a deflação veio para ficar. O banco central da China reduziu os juros várias vezes neste ano, mas nem as autoridades fiscais, nem as monetárias lançaram medidas de estímulo econômico em larga escala, em parte em razão de limitações com o alto endividamento. 

“A realidade parece cada vez mais sombria”, disse Eswar Prasad, professor de política comercial e economia na Universidade Cornell e ex-chefe da divisão do Fundo Monetário Internacional (FMI) especializada em China. “A abordagem do governo de minimizar a importância dos riscos da deflação e da estagnação do crescimento pode sair pela culatra e dificultar ainda mais tirar a economia de sua espiral descendente.” 

Os preços cobrados na porta da fábrica, que desde outubro vêm recuando em termos anuais, caíram de novo em julho, 4,4%, embora menos do que os 5,4% de junho, de acordo com dados publicados pela Agência Nacional de Estatísticas da China na quarta-feira. 

O que marcou a mudança mais significativa, entretanto, foi a virada dos preços varejistas, que vinham permanecendo em terreno positivo mesmo enquanto os preços atacadistas recuavam. A queda anual de 0,3% em julho, após a estabilidade em junho, é o primeiro recuo desde fevereiro de 2021, quando a comparação anual sofreu a distorção dos primeiros dias da pandemia, em que as cadeias de suprimentos e os preços dos alimentos estavam desnorteados. 

Com exceção de novembro de 2020, quando a economia também estava golpeada pela pandemia, os índices de preços atacadistas e varejistas não ficavam ambos em território deflacionário desde as profundezas da crise financeira mundial, em 2009. 

A deflação dos preços ao consumidor em julho foi provocada em grande medida pela queda dos alimentos em comparação ao mesmo mês de 2022, quando os preços subiram em razão de condições climáticas extremas, disse uma porta-voz da agência de estatísticas chinesa na quarta. Os preços da carne suína, um alimento básico da dieta no país, caíram 26% em julho na comparação anual. Os preços dos vegetais também recuaram. 

Excluindo os preços dos alimentos e das fontes de energia, que são mais voláteis, o chamado núcleo da inflação subiu para 0,8% em julho, o maio patamar desde janeiro. Em junho, a alta havia sido de 0,4%. 

Mesmo assim, economistas dizem que a inflação ao consumidor não deve acelerar-se muito em 2023. O motivo é a confiança do consumidor, ou melhor, a falta dela, uma vez que as famílias ainda sentem as dúvidas sobre a regulamentação e a continuidade do impacto de três anos de incertezas relacionadas à pandemia, além das preocupações permanentes com a saúde do mercado imobiliário. O setor, há décadas um dos principais impulsionadores do crescimento na China, está em situação complicada. Nesta semana, surgiram novas preocupações diante do temor de inadimplência de uma das maiores incorporadoras imobiliárias da China. 

Em contraste com muitos países do Ocidente, onde os repasses de dinheiro do governo aos consumidores durante a pandemia impulsionaram uma onda de gastos em bens físicos, como móveis e artigos eletrônicos pessoais, Pequim até agora não ofereceu uma ajuda direta do mesmo tipo às famílias. 

Além disso, uma nova queda no mercado imobiliário reduziu o apetite dos chineses por consumir, uma vez que muitas famílias veem as unidades residenciais como sua principal reserva de riqueza e são altamente sensíveis à flutuação nos preços das casas, segundo Wei Yao, economista-chefe especializada em China no Société Générale. 

“O problema é que não há um motor óbvio para impulsionar a recuperação no momento”, disse Wei. 

Além de reformar um apartamento comprado há dois anos, Wang Lei, de 40 anos, que trabalha numa empresa de videogame em Pequim, disse que os gastos totais dele e de sua esposa caíram em comparação a 2022. Ele se assustou ao ver colegas e amigos sendo demitidos e conteve gastos desnecessários. 

“É melhor economizar mais e ser cauteloso agora”, disse Wang. “O panorama econômico não é de certezas.” 

Mesmo que os preços ao consumidor comecem a subir, os donos de fábricas chinesas e os exportadores provavelmente terão dificuldades por algum tempo para conseguir aumentar os preços que cobram, o que corroeria as margens de lucro e a disposição para expandir a produção ou contratar mais trabalhadores. 

Mesmo que a deflação nos preços atacadistas tenha diminuído em julho, a queda de 4,4% foi pior do que a prevista pelos economistas consultados pelo “The Wall Street Journal”, de 4,1%. 

Durante a pandemia, muitas fábricas na China aumentaram a produção para atender ao aumento das encomendas do exterior. Agora, à medida que a demanda do Ocidente diminui, os fabricantes de automóveis, bens de consumo e outros produtos vêm ficando com excesso de estoque. Para encolhê-lo, muitos deles se veem obrigados a reduzir preços. 

Uma fabricante de robôs aspiradores de pó com sede na cidade chinesa de Shenzhen está tentando aumentar as vendas no exterior, em parte porque os concorrentes locais oferecem opções mais baratas e a lenta recuperação da demanda do consumidor tem prejudicado as vendas internas, de acordo com um executivo da empresa. 

O maior desafio para as autoridades econômicas chinesas é evitar uma espiral autoalimentada, em que a queda nos preços leva a uma redução na produção, a salários mais baixos e a uma demanda suprimida. 

Em termos gerais, os economistas preveem que o banco central da China reduzirá ainda mais os juros nos próximos meses, embora muitos estejam céticos de que apenas as taxas sejam capazes de dissipar as pressões deflacionárias. 

Isso ocorre porque a retomada da confiança das empresas e das famílias tem sido lenta, resultando em um interesse limitado em investir e gastar mais. Esse quadro faz com que medidas de estímulo apenas moderadas sejam, em grande parte, ineficazes, segundo Arthur Budaghyan, estrategista-chefe de mercados emergentes da BCA Research. 

“O governo chinês precisa fazer algo muito grande para enfrentar a deflação”, disse Budaghyan. “Não acho que eles tenham feito o suficiente ainda.” 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2023/08/08/precos-ao-consumidor-na-china-caem-pela-primeira-vez-em-mais-de-dois-anos.ghtml

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