ChatGPT cria nova carreira, o “DJ de inteligência artificial”

A sobrevivência de muitas profissões está em perigo com o crescimento de sistemas de inteligência artificial (IA) como o ChatGPT. E um estudo do Fórum Econômico Mundial prevê que 85 milhões de postos de trabalho no mundo serão afetados por ferramentas de automação até 2025. Por outro lado, a nova era da IA pode também abrir as portas para uma nova ocupação, o engenheiro de prompt.

De certa maneira, a nova carreira lembra aquilo que fazem os DJs: eles não criam as músicas que tocam (na maioria das vezes), mas sabem manipular as canções de terceiros – e, quando são bons, são a diferença entre uma festa animada ou caída. De forma similar, os engenheiros de prompt são os profissionais capazes de operar esses novos sistemas de IA e tirar o melhor resultado de cada modelo.

Até meados de 2022, modelos de IA eram capazes de apontar tendências e fazer correlações de informações, mas a nova geração da tecnologia vai além. Sistemas como o ChatGPT, DALL-E 2Midjourney, entre outros, também produzem conteúdo inédito, como texto, imagens e vídeos – e por isso representam um novo campo, chamado inteligência artificial gerativa. Saber dar bons comandos (ou prompts) para que as máquinas trabalhem será fundamental para se manter no mercado de trabalho.

Por exemplo: uma agência de publicidade pode adotar sistemas de IA gerativas para criar as imagens e peças de uma campanha. Isso significa que, talvez, o designer tradicional perca importância diante de um engenheiro de prompt. Ou seja, o profissional que antes sabia comandar programas tradicionais de edição e ilustração de imagem pode perder espaço para alguém capaz de dar bons comandos escritos para a máquina – mesmo que esse novo profissional não saiba utilizar as ferramentas atuais de um designer. É uma mudança importante de paradigma na rotina criativa.

“O ChatGPT sobe a barra. Se você trabalha com uma profissão criativa, mas o que você cria é muito básico, há chances de o ChatGPT estar acima do que você é capaz de entregar. No processo de aprendizado, você vai ter que aprender a trabalhar com uma IA gerativa”, diz Edney Souza, professor de inovação, tecnologia e negócios digitais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “É uma situação parecida com as pessoas que quiseram continuar datilografando, quando já era possível trabalhar no computador”.

Engenheiro de prompt é habilidade ou profissão?

O avanço das IAs gerativas é tão recente, que o mercado de trabalho ainda está tentando entender se estamos mesmo diante de uma nova profissão ou de um novo conjunto de habilidades que todos deverão desenvolver (como saber manusear planilhas não faz de ninguém um contador). “No início, deverá ter um pico de pessoas especializadas nessas IAs nas empresas, mas ‘analfabetos digitais’ não terão espaço. A tendência é que todos tenham que aprender a usar”, explica Lula Rodrigues, diretor de tecnologia Escola 42, que forma programadores e engenheiros de software.

Ele faz um paralelo com as décadas de 1960 e 1970, quando os primeiros computadores chegaram ao mundo corporativo. Na época, os especialistas em computação eram uma categoria altamente especializada – que até vestia jaleco para se distinguir. “Naquela época, a sociedade também se viu diante da mesma pergunta sobre quem iria operar aquela nova ferramenta, mas, com o passar do tempo, todo mundo teve que aprender a mexer no computador. A diferença de agora é a velocidade”, diz ele.

Mesmo com tantas interrogações, especialistas já conseguem traçar algumas características que os operadores de IA devem ter.

“O profissional vai precisar ter conhecimento específico a respeito da IA que está usando para trabalhar”, afirma Geraldo Gomes, pesquisador na startup Zup. Embora grandes modelos sejam treinados com volumes grandiosos de dados, cada um dos sistemas é ajustado para entregar um tipo de resultado. Embora DALL-E 2 e Midjourney façam a mesma coisa (criam imagens a partir de comandos), os resultados são bem diferentes. Saber as nuances de cada sistema ajuda no resultado final.

“É necessário também ter o conhecimento específico sobre a área de atuação. Por exemplo, uma IA no mundo jurídico vai produzir uma petição, mas, sem os comandos corretos, ela pode não atingir os objetivos”, explica João Duarte, diretor de tecnologia da escola de programação Trybe.

Ou seja, o engenheiro de prompt precisa garantir não apenas que a IA seja eficiente em um determinado contexto, mas também trazer profundidade e personalidade ao material. No caso da IA no mundo jurídico, o profissional trabalha para que a produção da máquina reflita a visão e forma de atuação do seu escritório.

“Fazer conexões entre elementos é mais importante que o elemento. E aquilo que o ChatGPT produz é só elemento”, argumenta Rodrigues. Em outras palavras, são os humanos que dão sentido ao que os sistemas produzem.

Edney Souza, professor de inovação, tecnologia e negócios digitais na ESPM

Ter a sensibilidade para determinar a qualidade do material gerado pela máquina é mais uma característica do profissional do prompt. “Em qualquer projeto de IA, o papel do curador é fundamental”, diz Daniel Lázaro, diretor de análise de dados da Accenture. Isso ajuda a direcionar os sistemas: caso os resultados não sejam satisfatórios, é necessário dar novos comandos à IA.

Como fazer prompts

Ainda que a questão profissão ou habilidade esteja longe de ser resolvida, já há uma busca sobre como criar bons comandos para os sistemas. Souza, da ESPM, compartilha dicas em suas redes sociais. “Primeiro, é preciso definir a persona: como você quer que a máquina escreva”, explica. Por exemplo, se você quer criar um orçamento, coloque “escreva como um contador”. “A persona mexe no estilo e nas palavras dos sistemas”, conta Souza.

“Na sequência, é preciso dar a tarefa. E, aqui, o mais importante é detalhar o máximo possível”, conta o especialista. Alguns detalhes envolvem o contexto, objetivos e restrições sobre aquilo que será produzido. Tradicionalmente, máquinas não são boas com ambiguidade e subjetividade. “Se você quiser algo com um resultado muito específico, é preciso eliminar esses elementos do caminho, embora o ChatGPT consiga lidar com eles”, conta. “Se você estiver buscando ideias, deixe algum grau de subjetividade nos comandos”, diz.

Para quem quer cortar caminhos, um “mercadão de prompts” começa a se formar. Existem sites e plataformas que vendem pacotes de comandos para sistemas específicos. Há também cursos que também ensinam como construir os melhores comandos. É uma movimentação típica do alvorecer de um novo momento do mercado.

Seja encontrando uma nova formação ou desenvolvendo habilidades, só há uma certeza nesse movimento em busca pelo “prompt perfeito”: um dia, todos seremos DJs de inteligência artificial.

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