Cerco de Trump a Washington não vai acabar bem

Se algo não pode continuar para sempre, vai parar. A questão é quanto tempo isso vai demorar com Donald Trump. É de pouca utilidade especular sobre os próximos quatro anos. Apenas multiplique as primeiras quatro semanas de Trump e pergunte-se por quanto tempo mais o sistema americano pode aguentar essa pressão.

No seu primeiro mês, Trump declarou guerra às agências de inteligência e à mídia. O Judiciário deve ser o próximo na lista de inimigos. Não há meio termo na Washington de Trump. Ou as forças que estão contra o presidente vão derrubá-lo ou ele vai destruir o sistema. Minha aposta é a primeira. Mas não apostaria minha vida nisso.

Mesmo Kellyanne Conway e Sean Spicer – os controversos assessora e secretário de imprensa de Trump – provavelmente pareceriam OK se estivessem trabalhando para um presidente diferente. Trump poderia preencher seu governo com os servidores públicos mais diligentes dos EUA e isso não mudaria a coisa mais importante. Eles ainda seriam obrigados a executar as ordens de um homem que divide o mundo em amigos e inimigos – sem nada no meio, como mostrou artigo do Financial Times, assinado por Edward Luce , publicado no Valor de 20/02.

O almirante Robert Harward, que recusou o cargo de conselheiro de Segurança Nacional de Trump, é um prenúncio do que está por vir. Em qualquer situação normal, alguém com o histórico de Harward teria aceitado com honra um cargo tão alto. Mas ele não teve estômago para isso.

Isso significaria servir a um presidente que acha que sabe mais do que seus generais sobre a guerra, mais do que os seus espiões sobre inteligência e mais do que os seus diplomatas sobre o mundo. As únicas pessoas com quem Trump concorda são aqueles que concordam com ele. É uma questão em aberto quanto tempo levará para que os integrantes do governo Trump cheguem à mesma conclusão. Há uma linha fina entre fazer o seu dever e ser humilhado.

As agências de inteligência dos EUA já parecem ter cruzado essa linha. Não menos de nove fontes de inteligência vazaram detalhes do telefonema de Michael Flynn com o embaixador russo nos EUA para o jornal “The Washington Post”. Parte disso foi certamente vingança pelo desprezo de Flynn pelos agentes de inteligência, que cunharam o termo “fatos Flynn” quando ele era chefe da Agência de Inteligência de Defesa. Mas alguns deles foram motivados por um profundo alarme com um presidente que é tão arrogante com a segurança nacional dos EUA.

Trump comparou a Agência Central de Inteligência (CIA) com a Alemanha nazista e acusou-a de trabalhar para Hillary Clinton. Em contraste, ele só tem elogios para James Comey, diretor do FBI (a polícia federal dos EUA), cuja intervenção de última hora ajudou a virar a eleição em favor de Trump.

A mensagem é clara: seja como Comey ou será tratado como inimigo. É difícil imaginar que há muitos funcionários públicos que veem Comey como um modelo a seguir. Alguns deles arriscam suas vidas, com salários relativamente baixos, para servir ao seu país. E Trump não é o seu país.

Além disso, há a mídia mentirosa – a “Lügenpresse”, como dizem os apoiadores de Trump, num eco da crítica nazista à mídia. Na quinta-feira, Trump submeteu a mídia a uma diatribe de 80 minutos, disfarçada de entrevista coletiva, na qual os acusou de desonestidade, de vender “notícias muito falsas” e de conspirar para minar a sua Presidência.

Seu próximo passo lógico é acusar os meios de traição. Num tuíte, que ele mais tarde apagou, Trump chamou a mídia de “inimiga do povo americano”. Isso não pode terminar bem. Ameaças de morte anônimas tornaram-se um modo de vida normal para muitos jornalistas em Washington. Temo que seja apenas uma questão de tempo até que isso resulte em violência. O mesmo se aplica ao Poder Judiciário. Os juízes que derrubaram a “proibição muçulmana” de Trump no início deste mês também estão recebendo ameaças de morte.

Onde isso vai levar? Gente panglossiana se agarra à esperança de que Trump fará uma correção de curso. Nesse feliz desenrolar, ele iria limpar a Casa Branca de incendiários, como seus conselheiros próximos Stephen Bannon e Stephen Miller, e substituí-los por operadores experientes.

Tal expurgo é possível em algum ponto. Pode até ser provável. Poucos assessores podem sobreviver por muito tempo à proximidade com a incandescência de um demagogo. Mas, a menos que Trump se substitua, o cerco continuará.

Também não podemos apostar num transplante de personalidade. Trump poderia passar 95% de seu tempo recebendo conselhos de especialistas e 5% indo contra eles. Esses 5% ainda conduziriam a agenda. Mas Trump não é um personagem reformável. Quanto mais assediado, mais ele ataca. Ele agora está prometendo uma investigação sobre vazamentos para a mídia e um expurgo implícito de autoridades desleais.

É difícil prever quanto tempo durará essa batalha entre Trump e o chamado Estado profundo. Também é difícil dizer quanto tempo um Congresso republicano poderá suportar o calor. Como eu disse, multiplique as últimas quatro semanas por três, seis, ou nove. O terreno neutro desaparecerá. Em algum momento, isso se resumirá a uma escolha entre Trump ou a Constituição dos EUA.

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