Centrismo ainda é uma virtude alemã

Financial Times: A saída de Angela Merkel, após 16 anos de um governo imperturbável, sempre foi preocupante para um país como a Alemanha, ávido por estabilidade. Mas poucos esperavam que o resultado das eleições seria tão inconclusivo. 

Os partidos de centro-direita e centro-esquerda são agora sombras do que eram e terão de dividir o poder na primeira coalizão de três partidos desde os anos 50. As negociações poderão levar meses, privando o país de uma liderança adequada e travando as decisões políticas na União Europeia (UE). 

Algumas coisas ficaram claras nas urnas. Os social-democratas e seu candidato a premiê, Olaf Scholz, são os vencedores. Com 26% dos votos, eles são fracos pelos padrões históricos. Mas a virada eleitoral a seu favor, a partir do centro-direita, foi expressiva. 

O SPD venceu em vários redutos da União Democrata Cristã (CDU, de Merkel) e em duas eleições regionais Scholz beneficiou-se dos erros dos adversários. Mas fez também uma campanha inteligente. 

Não se tratou apenas de sua habilidade de emular o estilo cauteloso de liderança de Merkel. Ele criou um programa com políticas social-democratas claramente identificáveis, como salário mínimo maior, juntamente com uma determinação em resolver os problemas legados por sucessivas grandes coalizões (entre os dois maiores partidos). Scholz tomou posse de uma agenda da qual Merkel frequentemente se apropriava. 

Scholz também é, segundo pesquisas, o preferido dos alemães para premiê. Ainda que isso não tenha sido diretamente registrado em votos, é importante. Ele deverá ser o primeiro a reivindicar a formação de uma coalizão com os Verdes e os liberais (FDP). E Armin Laschet, seu rival da CDU, deveria reconhecer isso. 

A segunda conclusão indiscutível das eleições é a rejeição dos eleitores ao centro- direita, o que Laschet ainda parece negar. O bloco CDU/CSU ficou com 24,1% dos votos, o seu pior resultado da história. Laschet fez uma campanha ruim, sem energia nem ideias. O partido está dividido em estratégia e personalidades. Um período na oposição poderá ajudar. Mas ainda poderá ser convocado se as negociações entre SDP, Verdes e liberais fracassarem. Enquanto isso, deveria ocupar o banco de trás. 

Pela primeira vez em 70 anos, a fatia de votos combinada dos dois outrora poderosos “partidos do povo” caiu para menos da metade. Os alemães apostaram em partidos menores por mudanças. 

Os Verdes e os liberais podem trazer novas ideias e energia para o governo. É impressionante que, enquanto Scholz e Laschet discutiam sobre quem deveria começar as negociações, os dois partidos menores se preparavam para iniciar conversas entre si. Isso mostra que eles levam a sério a diminuição de suas consideráveis diferenças, especialmente sobre regulações e política fiscal. Isso também mostra que eles querem usar o poder de serem os fiéis da balança. 

Para os Verdes, 14,8% é uma decepção, considerando como eles dispararam no começo da campanha. Isso sugere que mesmo na Alemanha, onde política climática é uma força bem estabelecida, muitos ainda se sentem desencorajados por políticas climáticas. Enquanto isso o FDP exigirá contenção fiscal da próxima coalizão, quando investimentos maiores para a descarbonização e a digitalização são imperativos. Ainda assim, um acordo poderá ser feito, pois é possível atualizar as regras fiscais da UE. 

A última conclusão a se tirar é a mais importante: a cultura política da Alemanha está em boa forma. Mesmo quando os partidos tradicionais parecem exaustos, os eleitores alemães resistem ao canto da sereia do nacionalismo e do populismo. A extrema-esquerda e a extrema-direita perderam apoio. A política alemã ainda é jogada no centro. Isso às vezes pode ser enfadonho, mas é algo para se invejar.

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2021/09/28/centrismo-ainda-e-uma-virtude-alema.ghtml

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