O presidente Donald Trump foi apresentador de um reality show no qual um participante era demitido por semana. O mesmo parece estar ocorrendo na sua Casa Branca, que mergulhou num período de tumulto sem paralelo, com êxodo de assessores. O presidente insiste que é um lugar “sem caos, só com grande energia!”.
A mais recente baixa foi Gary Cohn, principal assessor econômico da Trump, que se chocou com o presidente na política comercial.
A saída de Cohn gerou internamente o temor de um êxodo ainda maior, suscitando receios em Washington quanto a uma “fuga de cérebros”, que só tornaria mais difícil para Trump avançar sua já enroscada agenda política, como mostrou matéria da Associated Press, de Zeke Miller e Jonathan Lemire, publicada no Valor de 8/03.
Diversos funcionários da Casa Branca disseram que Trump está pressionando auxiliares apreensivos a permanecer em seus cargos. “Todo mundo quer trabalhar na Casa Branca”, disse Trump na terça-feira. Mas a realidade é diferente.
Há muitos cargos vagos na Casa Branca e no governo em geral. Alguns cargos nunca foram preenchidos; outros ficaram repetidamente acéfalos. O cargo de diretor de comunicações da Casa Branca logo estará logo vago, com a saída de Hope Hicks, a quarta titular.
“Cargos ficam repetidamente vagos”, disse Kathryn Dunn-Tenpas, da Brookings Institution, que acompanha a rotatividade de pessoal de alto escalão. Sua análise mostra que a taxa de giro de pessoal no governo Trump atingiu 40% em pouco mais de um ano.
A rotatividade após um ano de mandato não é algo novo, mas este governo tem trocado pessoal num ritmo vertiginoso, e aliados de Trump estão preocupados com o risco de descontrole da situação.
Um funcionário da Casa Branca disse que há o risco de uma potencial “espiral”, em que cada demissão intensificaria a histeria e deflagraria a próxima saída.
Vários assessores que estão considerando deixar o governo -todos falaram sob condição de anonimato – disseram não ter ideia sobre quem poderia suibstituí-los nas suas funções. Eles dizem que o desejo de atuar na equipe os manteve no cargo por mais tempo do que planejado. Alguns disseram estar se aproximando do limite.
“Há situações em que as pessoas estão sobrecarregadas, por assumir mais de uma função”, disse Martha Joynt Kumar, diretora do Projeto de Transição da Casa Branca. Ela citou o caso de Johnny DeStefano, que supervisiona o pessoal, relação com o público, assuntos políticos e questões intergovernamentais na Casa Branca.
A sobreposição entre aqueles que se qualificaram para trabalhar na Casa Branca e as pessoas dispostas a assumir um cargo lá também diminuiu, segundo funcionários do governo e partidários de Trump preocupados com o lento ritmo das contratações.
As práticas erráticas de tomada de decisões de Trump, o temor de ser apanhado nas investigações do promotor especial Robert Mueller sobre influência russa na campanha eleitoral e uma agenda legislativa paralisada estão afastando muitos talentos da Casa Branca.
“Acima de tudo, o presidente Trump não demonstrou um pingo de lealdade aos atuais e ex-funcionários, e todos sabem disso”, disse Michael Steel, ex-assessor de Jeb Bush, republicano que foi governador da Flórida, e de John Boehner, republicano que foi presidente da Câmara dos Deputados.
Desde seus dias de campanha, Trump queixa-se frequente e ruidosamente da qualidade de sua equipe, sempre empenhado em criticar assessores por qualquer contratempo, em vez de assumir a responsabilidade. Seus ataques se intensificaram nas últimas semanas, e ele sugeriu a pessoas de sua confiança que tem pouca gente a seu lado com quem pode contar, segundo duas pessoas próximas.
Alguns assessores temem as implicações legais – e custos altos – que poderão ter de arcar se forem apanhados nas investigações de Mueller. Isso esfriou o já lento processo de contratações da Casa Branca. Há ainda grande preocupação com o fato de que trabalhar para Trump pode afetar negativamente as perspectivas de carreira.
Por outro lado, as esperanças de importantes conquistas governamentais nos próximos anos, do porte da reforma tributária aprovada em dezembro, estão desaparecendo, já que os republicanos vão enfrentar um ambiente eleitoral desafiador em novembro.
O moral despencou entre assessores nas últimas semanas. Alguns citam a partida do chefe de Pessoal, Rob Porter, em meados de fevereiro, como o início da espiral descendente. Ainda não há um substituto permanente.
Além disso, as várias versões de John Kelly, o chefe de Gabinete, sobre como lidou com o assunto Porter comprometeu a sua reputação entre funcionários que o viam como força estabilizadora na turbulenta Ala Oeste da Casa Branca.
No sábado, Trump se deixou apanhar num raro momento de autoironia, comparando o trabalho na Casa Branca com o comando do reality show “O Aprendiz”. “Num emprego, eu tive que administrar um elenco de pessoas ferozmente antagônicos, desesperadas por aparecer na TV, totalmente despreparadas e a cada semana receosas de levar um pé na bunda, e no outro emprego fui apresentador de um programa de sucesso.”
http://www.valor.com.br/internacional/5370655/casa-branca-vive-crise-de-pessoal#