Usar bloqueadores de anúncios móveis é o mesmo que roubar uma edição impressa em uma banca de jornais, comparou o presidente do “The New York Times”, Mark Thompson, em evento em Nova York na semana passada, citado pela revista especializada em publicidade “Adweek”. A fala adicionou mais brasa a uma discussão inflamada no mundo de empresas de tecnologia, publicidade e mídia.
Ao mesmo tempo em que os anúncios digitais consomem os pacotes de dados, atrasam o carregamento de páginas e ainda diminuem a bateria, são eles que financiam boa parte das empresas de conteúdo. O modelo de assinaturas, no caso do “The New York Times”, por exemplo, cobre apenas uma parte dos custos, segundo seu president, como mostrou artigo do Valor , assinado por Tatiane Bortolozi, publciado em 1/03
O navegador da Samsung para Android ganhou em fevereiro suporte a extensões que bloqueiam anúncios publicitários. O aplicativo AdBlock Fast, uma das principais parcerias, foi removido poucos dias depois de entrar na Play Store, por violar orientações do Google para desenvolvedores – voltou a ficar disponível dias depois. Não é segredo que o Google, assim como empresas de tecnologia como Facebook e Twitter, tendo a publicidade como principal negócio, se posicionem contra os bloqueadores, mas a discussão têm feito barulho há meses.
O assunto ganhou fôlego depois de a Apple lançar em setembro o Safari iOS 9, nova versão do sistema operacional do iPhone, com suporte para bloqueadores. Se a restrição a propaganda ocorrer principalmente nos sites, os veículos de notícias seriam os principais prejudicados. Google e Facebook, que dependem em grande parte da publicidade digital, perderiam receitas. A Apple, que concentra sua rede de publicidade em aplicativos, poderia ganhar vantagem.
Segundo pesquisa da Page Fair, que ajuda editoras a combater o bloqueio de anúncios, os usuários de softwares de bloqueio cresceram 41% nos 12 meses até agosto de 2015. São mais de 200 milhões de adeptos, o dobro de dois anos antes. As empresas de mídia perderam US$ 21,8 bilhões com a ferramenta apenas no ano passado e, em 2016, as perdas devem se aproximar de US$ 41 bilhões.
“Não somos contra anúncios, mas acreditamos que novas regras de engajamento precisam surgir”, diz Roi Carthy, diretor de marketing da Shine, empresa israelense que oferece softwares de bloqueio de anúncios para operadoras, interessadas em reduzir a largura de banda. Ele participou de um debate durante o Mobile World Congress, em Barcelona, na semana passada. Carthy disse defender uma experiência “não abusiva”, dizendo que os consumidores não têm a habilidade de se proteger de ataques apenas ao transmitir suas opiniões aos anunciantes.
Benjamin Faes, diretor de mídias e plataformas do Google, disse que o aumento dos bloqueadores ameaça o ecossistema de conteúdo livre, que é suportado pelos anúncios. Para ele, o bloqueio prejudica a experiência total do usuário. Quatro dos dez vídeos mais vistos no YouTube em 2015 foram anúncios, disse.
“Tudo aconteceu muito rápido em termos de adoção, de crescimento. Dois terços da população mundial têm um aparelho móvel no bolso”, disse Allie Kline, diretora de marketing da AOL. É um assunto que precisa ser pensado, mas também precisa de tempo, segundo a especialista. “Precisamos ser realmente cuidadosos sobre a relevância e o investimento que fazemos para dimensionar corretamente como financiar conteúdo”, acrescentou.
As empresas de conteúdo estão começando a ter uma abordagem mais reativa em relação aos bloqueadores, como oferecer a opção entre suspender o bloqueio de anúncios ou pagar por um site sem propaganda. É o caso da versão on-line da “Wired”, que calcula que mais de 20% do tráfego diário é composto por leitores com bloqueadores de anúncios. A “Forbes” pede que os leitores desliguem os bloqueadores em troca de uma experiência leve em publicidade.
A tensão entre o usuário e as empresas de mídia não é nova, mas o debate oferece a chance de se aproximar do consumidor e tentar encontrar um modelo mais adequado, disse Pete Blackshaw, vice-presidente da área digital e mídia social da Nestlé. “Há muita complexidade”, afirmou. “Acredito que vamos aprender conforme avançamos. Pensando mais criticamente sobre transparência. Pensando mais criticamente sobre tudo – não apenas reunindo opiniões, mas transformando isso em um processo contínuo para realmente ser compreendido.”
Allie, da AOL, lembrou que a Procter & Gamble praticamente ajudou a criar o gênero de novelas nos Estados Unidos como forma de veicular campanhas publicitárias, e sugeriu o investimento na experiência de conteúdo como uma saída possível. “O mais importante é refletir em como podemos investir em criatividade para veicular nossos anúncios.”
James Hilton, presidente global e fundador da agência de marketing para aparelhos móveis M&C Saatchi, diz que a solução é simples – fazer menos anúncios, mas com mais qualidade e em ambientes mais confiáveis. É importante construir formatos especialmente para tablets e smartphones, os chamados anúncios ‘nativos’, em vez de tentar adaptá-los. “Os mercados móveis não estão usando todo o seu arsenal”, disse. Para ele, o certo não é brigar pela quantidade, mas pela precisão e assertividade.