Biodiversidade global vive dilema, diz ONU

O mundo está em uma encruzilhada em relação à biodiversidade global. De um lado está o cenário recorrente dos últimos anos com perdas dramáticas de espécies e ecossistemas e avanços lentos nas metas internacionais acordadas pelos países. O outro caminho, contudo, aponta para enfrentar desafios, alterar padrões de comportamento e transformar atividades para reverter a curva de danos. Com oito mudanças transformadoras seria possível garantir saúde e bem-estar humano e salvar o planeta. 

É assim que resume o comunicado das Nações Unidas que divulga o Panorama Global da Biodiversidade (GBO-5, na sigla em inglês), um amplo diagnóstico sobre o estado dos recursos naturais e dos ecossistemas no mundo preparado pelo secretariado da Convenção da Biodiversidade das Nações Unidas, a CDB, divulgado ontem. O relatório, o quinto já editado, tem 212 páginas. Costuma sair a cada cinco anos. 

Em 2010 foram definidas globalmente as Metas de Aichi para a Biodiversidade, conjunto de 20 objetivos mundiais para proteger áreas terrestres e marinhas importantes, aumentar a consciência das pessoas sobre os valores da biodiversidade, eliminar ou rever subsídios nocivos. Até 2020, por exemplo, o manejo e a captura de estoques de peixes deveria ser toda feita de modo sustentável. Em 2017 o índice estava em 66%, variando conforme a região e populações. 

O GBO-5 diz que apenas seis das 20 metas mundiais foram parcialmente alcançadas até 2020.  “A mensagem do relatório é que, embora tenha havido um progresso significativo na última década nas ações para reduzir a perda de biodiversidade, não foi suficiente para cumprir as metas para 2020 estabelecidas pelos governos em 2010”, diz Tim Hirsch, um dos autores do GBO-5, em entrevista ao Valor, de Copenhague. 

“Se seguirem as tendências atuais, as pressões sobre a biodiversidade continuarão a aumentar. Isso, por sua vez, ameaçará tanto a luta contra a mudança climática quanto comprometerá muitos dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”, diz Hirsch. 

Ele lembra, por exemplo, que o valor de subsídios governamentais que potencialmente causam danos ambientais está em US$ 500 bilhões ao ano, muito maior do que os incentivos às boas práticas. 

Há, por outro lado, boas notícias. A taxa global de desmatamento caiu 33% se comparados os últimos cinco anos com as taxas de 2000 a 2010. O relatório indica, entretanto, que este não é o desempenho do Brasil, com índices aumentando desde 2012. 

Em outra frente, o diagnóstico apela para uma mudança urgente nas atividades humanas que seguem no “business as usual”. Sugere oito transições que reconhecem o valor da biodiversidade, a necessidade de reduzir os impactos negativos e restaurar ecossistemas. 

Uma delas é a transição de terras e florestas, que vai desde manter intactos alguns ecossistemas como reverter a degradação. Outra é tornar a agricultura sustentável, redesenhando sistemas agrícolas com abordagens agroecológicas. 

Alterar a dieta para algo mais sustentável e saudável, com consumo menor de carnes e peixes e maior diversidade de alimentos. “Não se está sugerindo que todos se tornem vegetarianos”, diz o economista da PUC-Rio Bernardo Strassburg, que participou do estudo. Ele lembra que o mundo perde 1/3 dos alimentos que produz nas colheitas, no transporte, na geladeira e nos supermercados. “Podemos produzir melhor, de maneira mais eficiente e sustentável. Podemos ser a primeira geração a deixar a natureza melhor do que encontramos e reverter a curva de perdas”. 

Outras transformações são necessárias para tornar a pesca uma atividade sustentável, implantar infraestrutura verde nas cidades, melhorar a qualidade da água e proteger habitats críticos. 

Soluções baseadas na natureza ajudariam também no combate à mudança do clima, diz o relatório que servirá de base para o marco internacional que está sendo negociado e definirá metas de proteção para a próxima década. 

“O relatório conclui que, se fortes medidas de conservação e restauração da natureza forem combinadas com ações para enfrentar a mudança climática e com mudanças na maneira como produzimos e consumimos alimentos, temos a chance de ‘dobrar a curva’ da perda de biodiversidade e concretizar a visão de um mundo vivendo em harmonia com a natureza até meados deste século”, diz Hirsch. 

O GBO-5 mostra que o financiamento para a biodiversidade com recursos públicos, privados nacionais e internacionais aumentou em alguns países. Os recursos disponíveis para a biodiversidade por meio de fluxos internacionais e assistência oficial ao desenvolvimento praticamente dobraram. 

Estão disponíveis cerca de US$ 78-91 bilhões anuais, mas isso ainda está longe do necessário. 

“À medida que emergimos dos impactos imediatos da pandemia, temos uma oportunidade sem precedentes de reconstruir melhor, incorporando as transições descritas neste relatório e incorporadas em um plano ambicioso para colocar o mundo no caminho certo”, diz o secretário-geral da ONU António Guterres. 

“Parte dessa agenda deve ser enfrentar os desafios globais da mudança climática e da perda de biodiversidade de uma maneira mais coordenada, entendendo que a mudança climática ameaça minar todos os outros esforços para conservar a biodiversidade, e que a própria natureza oferece algumas das soluções mais eficazes para evitar os piores impactos de um planeta em aquecimento”, segue. 

“Temos que acelerar e ampliar a colaboração para obter resultados positivos para a natureza: conservar, restaurar e usar a biodiversidade de forma justa e sustentável. Se não o fizermos, a biodiversidade continuará a diminuir. Isso prejudicará ainda mais a saúde humana, as economias e as sociedades, com efeitos particularmente prejudiciais para povos indígenas e comunidades locais”, diz Inger Andersen, diretora-executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). 

https://valor.globo.com/brasil/noticia/2020/09/16/biodiversidade-global-vive-dilema-diz-onu.ghtml

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