Biden escolhe Yellen para tocar recuperação nos EUA

O presidente eleito dos EUA, Joe Biden, pretende indicar a ex-presidente do Federal Reserve (Fed, o BC dos EUA) Janet Yellen, uma economista da linha de frente da formulação de políticas públicas por três décadas, como a próxima secretária do Tesouro, de acordo com pessoas bem-informadas da decisão. 

Se confirmada pelo Senado, Yellen se tornará a primeira mulher a ocupar o cargo. A escolha colocará essa economista do trabalho, de 74 anos, à frente dos esforços do governo Biden para impulsionar a recuperação do país após a crise causada pela pandemia de covid-19. 

Yellen, que foi a primeira mulher a presidir o Fed, se tornará ainda a primeira pessoa a ter chefiado o Departamento do Tesouro, do BC e do Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca. 

Questionada, Yellen não comentou a possível sua indicação. 

A equipe econômica de Biden deverá encarar um cenário sombrio, com milhões de americanos ainda desempregados e o nível de emprego caindo, após a acentuada recuperação do período de reabertura das empresas, de maio, junho e julho. Na semana passada, economistas do J.P.Morgan Chase disseram prever que a economia dos EUA sofrerá uma leve contração no primeiro trimestre de 2021 devido ao crescente avanço da covid-19. 

Embora o governo Obama também tenha enfrentado um cenário sombrio ao assumir, em janeiro de 2009, os democratas na época tinham uma grandes maiorias na Câmara e no Senado, coisa que Biden não terá e que vai limitá-lo. 

Yellen disse recentemente que a recuperação não será uniforme e será medíocre se o Congresso não aprovar mais gastos para combater o desemprego e manter pequenas empresas em operação. “Há muitos problemas nessas áreas. A economia precisa desses gastos”, disse Yellen em 28 de setembro. Ela é vista pelos altos escalões de transição de Biden como uma autoridade no que se refere aos perigos de se retirar, prematuramente, os estímulos governamentais e capaz de colaborar estreitamente com o Fed e o resto do governo para articular mais apoio caso o Congresso continue hesitante em agir. 

Hoje muitos economistas responsabilizam o esforço bipartidário de contenção de gastos nos anos após a crise financeira de 2008 pela recuperação fraca. 

“Este não é um bom momento para que a política fiscal deixe de ser acomodativa para se tornar um obstáculo”, disse Yellen. “Foi o que aconteceu [na década passada], e isso retardou a recuperação.” Para ela, a inflação baixa eleva a necessidade e reduz os riscos de uma política monetária e fiscal agressiva. 

Yellen tem boas relações com ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais estrangeiros e é muito respeitada na área, o que ajudará o governo Biden a reconstruir laços com aliados dos EUA. 

Na semana passada, Biden disse que sua escolha seria aceita de forma ampla pelas alas liberal e moderada do Partido Democrata, o que muitos viram como um sinal de que ele escolhera Yellen. 

No Fed, ela pressionou colegas a dar mais atenção do que se costumava à missão do BC de promover um sólido mercado de trabalho. Determinada pelo Congresso, essa missão prevê ainda a manutenção de uma inflação estável. Em discursos, ela chamava a atenção para os custos de um crescimento desigualmente distribuído e para as vantagens de políticas de governo que impulsionem a participação das mulheres na população economicamente ativa. 

Essa ênfase por vezes atraiu críticas de alguns congressistas republicanos, que diziam que essas preocupações estavam além da alçada do banco central. Mas também marcou o início de uma mudança mais ampla no Fed, que, sob o comando de Jerome Powell, chamou ainda mais a atenção para essas questões e as entronizou no marco de política pública do Fed em agosto, sem atrair críticas. 

“Ela é firme defensora desses pontos. O ruim é que o Fed não pode fazer muito com relação a eles”, disse Alan Blinder, ex-vice-presidente do Fed, que atuou junto com Yellen. “Já o poder Executivo pode fazer muita coisa. Um secretário do Tesouro, como assessor próximo do presidente, pode ter muita influência sobre essas questões.” 

Yellen foi vice-presidente do Fed de 2010 a 2014, assessorando o então presidente Ben Bernanke, num período em que o BC manteve as taxas de juros de curto prazo próximas de zero para respaldar o crescimento do nível de emprego. 

O presidente Barack Obama a escolheu para presidir o Fed de 2014 a 2018. Ela optou por deixar os juros próximos de zero até o fim de 2015 e depois elevá-los muito devagar a fim de contribuir para estimular a melhora no emprego. 

O presidente Trump estudou a possibilidade de mantê-la num segundo mandato, mas escolheu Powell, que era um dos diretores regionais do Fed e ex-executivo de empresa de “private equity”. 

Ex-colegas descrevem Yellen como exigente e detalhista. Nas reuniões de política monetária do Fed, ela era gentil, séria e se mostrava meticulosamente preparada. 

“Se ela se tornar secretária, quando entrar numa sala cheia de ministros das Finanças de outros países, será certamente a pessoa mais bem-preparada da sala, talvez a pessoa mais inteligente também”, disse Blinder, que continua próximo de Yellen e leciona economia na Universidade de Princeton. 

O secretário do Tesouro, que é o quinto na linha de sucessão presidencial nos EUA, administra uma burocracia que lida com tudo, da arrecadação de impostos à gestão da dívida pública e implementação de sanções internacionais. 

A necessidade mais premente será supervisionar os esforços de recuperação da economia. Yellen estará no centro de grandes decisões em torno das propostas de impostos e de gastos de Biden e das relações com a China. 

Yellen falou muitas vezes, no ano passado, de questões que poderiam definir sua gestão no Departamento do Tesouro. Ela defendeu um imposto sobre o carbono como a maneira mais eficiente de reduzir as emissões de gases-estufa e enfrentar a mudança climática. 

Em discurso em Hong Kong, em janeiro, ela disse que os problemas de longa data com Pequim que não tinham sido enfrentados pelo acordo comercial de fase um do governo Trump, como subsídios a empresas estatais e competição por novas tecnologias com implicações significativas de segurança nacional, ameaçavam empurrar o mundo para duas esferas concorrentes. “Temos questões muito difíceis pela frente”, afirmou. 

Sobre regulamentação, ela defendeu vigorosamente esforços para melhorar a supervisão dos bancos após a crise financeira de 2008. No começo deste ano, manifestou decepção com o fato de a lei Dodd-Frank, o detalhado conjunto de regras para o mercado financeiro e imobiliário aprovado em 2010 pelo Congresso dos EUA, ter se concentrado nos maiores bancos e não ter dado melhores instrumentos aos reguladores para enfrentar riscos que ameaçam o sistema financeiro como um todo, como a alta do endividamento das grandes empresas não financeiras. 

Uma das primeiras decisões de Yellen poderá ser se reativar e como, com a aprovação de Powell, uma série de medidas de apoio ao crédito que o Fed e o Tesouro lançaram quando a pandemia sacudiu os mercados, no segundo trimestre do ano. O secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, decidiu na semana passada que os programas suspendam a compra de empréstimos ou de ativos no fim do ano, rejeitando uma prorrogação que tinha sido defendida pelo Fed. A equipe de transição de Biden criticou a decisão de Mnuchin. 

Embora Yellen tenha argumentado fortemente por mais gastos do governo, financiados pelo déficit público, desde que a pandemia devastou a economia dos EUA, ela disse no ano passado que o déficit público federal estava trilhando um caminho insustentável. 

Nascida em Nova York, ela se formou na Universidade Brown, com pós-graduação em economia, doutorou-se em economia na Universidade Yale e é professora emérita da Universidade da Califórnia, em Berkeley. É casada com o Nobel de Economia George Akerlof, com quem tem um filho. 

https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/11/24/biden-escolhe-yellen-para-tocar-recuperacao-nos-eua.ghtml

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